Opinião/ A urgência de um marco regulatório para o aluguel por temporada

A urgência de um marco regulatório para o aluguel por temporada
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O mercado de locação por temporada – conhecido também como short stay e contratado via plataformas digitaisprecisa urgentemente de um marco regulatório.

Hoje esse tipo de locação por temporada é regulamentada pelo artigo 48 da Lei do Inquilinato, que a define como uma locação residencial com prazo de até 90 dias, para necessidades como lazer, estudos ou tratamentos de saúde.

Mas há uma outra visão de que essas locações se assemelham à atividade de hospedagem empresarial prevista na Lei Geral do Turismo, pela presença de serviços acessórios, alta rotatividade de hóspedes e pouca personalização na relação contratual.

Essa distinção tem efeitos práticos para o investidor, como a necessidade de licenciamento urbanístico específico, registro no Ministério do Turismo (Cadastur), adequação às exigências de segurança contra incêndio (AVCB) e a incidência de ISS, pela prestação de serviços de hospedagem.

Diante da controvérsia, o Poder Judiciário tem sido constantemente acionado para resolver disputas sobre esse modelo de locações em condomínios residenciais.

Em uma decisão, a Quarta Turma do STJ entendeu que a oferta de imóveis para locação por temporada, contratada por meio de plataformas digitais, configura um contrato atípico de hospedagem, distinto da locação por temporada prevista na Lei do Inquilinato e incompatível com a destinação exclusivamente residencial prevista em convenção condominial.

No entanto, o Tribunal admitiu que os condôminos podem autorizar tal uso, por maioria qualificada (dois terços das frações ideais), com a devida alteração da convenção.

A falta de uma legislação federal específica aumenta a incerteza.

Em Brasília, tramita no Senado o Projeto de Lei 4/2025 que permite aos condomínios residenciais proibir o uso de unidades para fins de hospedagem atípica, salvo autorização expressa na convenção ou por deliberação em assembleia.

Em sentido oposto, tramita na Câmara o Projeto de Lei no 2.795/2024 que propõe que a locação por temporada em condomínios só seja proibida se houver previsão expressa na convenção.

Também há discussões nos planos estaduais. No Rio de Janeiro, por exemplo, o Projeto de Lei no 107/2025 proíbe a locação de curta temporada por meio de plataformas digitais em unidades de empreendimentos multifamiliares residenciais de determinadas áreas da Zona Sul.

Entre as justificativas estão o aumento do custo da moradia, decorrente da redução da oferta para locação residencial; uma suposta concorrência desleal com o setor hoteleiro, sujeito a exigências fiscais e sanitárias mais rigorosas; preocupações com a segurança dos hóspedes e moradores; e o impacto na arrecadação de tributos municipais.

O avanço de propostas em diferentes esferas da federação traz à tona o risco de colisão normativa entre legislações federais, estaduais e municipais.

Os temas envolvidos, como direito de propriedade, uso do solo urbano, ordenamento territorial e exploração de atividade econômica, frequentemente se sobrepõem, o que pode resultar em conflitos.

Além disso, a reforma tributária introduziu previsões que podem impactar esse mercado no futuro, como a possibilidade de incidência do novo IVA — composto pela CBS e pelo IBS — sobre pessoas físicas que realizem locações em larga escala.

A reforma também passou a equiparar, para fins fiscais, as locações de curtíssima duração (inferiores a 90 dias) à atividade de hotelaria quando houver prestação de serviços adicionais. No entanto, isso representa mais um risco regulatório e tributário futuro do que uma realidade vigente. Assim, embora o potencial impacto seja relevante para investidores, a adoção da equiparação continua sujeita a desenvolvimento regulatório e jurisprudencial.

Não bastasse tudo isso, a locação por temporada também levanta debates econômicos e urbanísticos, reforçando a necessidade de um marco. Há estudos que indicam uma correlação direta entre o aumento de aluguéis de curta duração e a elevação dos preços de moradias tradicionais, o que provocou medidas restritivas em cidades como Barcelona e Nova York.

Um marco regulatório claro pode conferir maior segurança jurídica aos investidores, condôminos e operadores do mercado, buscando compatibilizar o exercício da liberdade econômica e do direito de propriedade com a função social da moradia, o ordenamento urbano e os interesses coletivos no âmbito condominial.

Por enquanto, recomenda-se aos investidores atuar com cautela, priorizando imóveis em cidades com regulamentação clara e evitando operações que envolvam serviços típicos de hotelaria sem o devido enquadramento fiscal e urbanístico, bem como observar as disposições da convenção condominial e avaliar cuidadosamente os riscos fiscais associados à eventual reclassificação da atividade.

*Marcos Lopes Prado é sócio da área imobiliária do Cescon Barrieu. Liz Marra, Maria Fernanda Guatimosim e Eduardo Matos são advogados associados do escritório.

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