O concreto pode ser temporário, e o papelão permanente, diz vencedor do Pritzker

Shigeru Ban descarta a ideia de que seja um arquiteto ambientalista e ecológico – ele apenas diz ter aversão ao desperdício.
Vencedor da edição de 2014 do Pritzker, o Oscar da arquitetura, o japonês é conhecido por ter criado um método que usa papelão reciclado como material de construção, com o qual já fez igrejas, museus e até salões de música.
E ganhou ainda mais fama pela construção de casas de papelão após desastres naturais como os terremotos de Kobe, no Japão, e em Taiwan.
Em visita a São Paulo para participar de um evento na Japan House, o arquiteto questionou a definição de estruturas temporárias no mercado imobiliário das grandes cidades, já que muitos prédios feitos por incorporadoras são destruídos para dar lugar a outros.
“Enquanto um prédio feito para ganhar dinheiro pode ser temporário, uma estrutura de papel feita por um estudante pode ser permanente, desde que as pessoas cuidem dela,” ele disse em sua palestra.
Aos 67 anos, o arquiteto formado pela Cooper Union, de Nova York, tem entre as suas principais obras com papelão o Centro Pompidou-Metz, um museu em Métis, na França; La Seine Musicale, em Paris; a Catedral de Papelão, na Nova Zelândia; e algumas no seu país, como o Centro do Patrimônio Mundial do Monte Fuji, o Museu de Arte da Prefeitura de Oita, o Museu Simose e o Museu da Cidade de Toyota.
Sua relação com o trabalhos em áreas de desastre começou quando se viu decepcionado com a profissão, que ele vê como um mercado associado a privilégio, dinheiro e poder. E como o poder é algo abstrato, arquitetos são contratados para fazer monumentos que mostrem poder ao público.
“Não estou dizendo que não gosto de monumentos, mas eu queria usar meu conhecimento e experiências para o público geral e as pessoas que perderam suas casas para desastres naturais,” ele disse.
Shigeru acredita que enquanto uma cidade está sendo reconstruída, é responsabilidade dos arquitetos devolverem qualidade de vida aos afetados.
Foi assim que criou o modelo de casa que ele chama de Paper Log House, em 1995, após um terremoto em Kobe, no Japão, para servir de abrigo às vítimas.
São moradias econômicas feitas de tubos de papelão, rápidas de serem construídas e fáceis na manutenção e no transporte.
Shigeru criou uma ONG para fazer esse trabalho, a Voluntary Architects Network, que conta com o apoio de estudantes e de voluntários locais. A organização já atuou em países como Japão, Haiti, Filipinas e Nepal.
As casas surgiram como alternativas para as tendas construídas pelas ONU, que utilizam madeira de florestas próximas dos locais dos desastres, criando um problema de desflorestamento.
Enquanto a ONU fazia tendas desconfortáveis para os afetados não permanecerem ali por um longo período de tempo, Shigeru queria construir espaços mais aconchegantes.
O topo das casas é feito de lona de caminhão, enquanto a base é construída com caixas de cerveja, em parceria com marcas locais.
“Nós esperávamos receber essas caixas cheias de cerveja, mas não bebemos nada,” ele brincou.
O arquiteto leva tão a sério o não desperdício de material que reaproveita os papelões usados durante os trabalhos nas tragédias depois que as cidades se recuperam.
Uma igreja temporária de papelão feita em Kobe, inspirada nas obras do italiano Gian Bernini, foi desfeita depois de 10 anos para o material servir para a construção de outro templo em Taiwan após um terremoto em 2008.
Ainda que trabalhe com materiais reciclados, Shigeru não se define como um arquiteto ambientalista.
“Não gosto de dizer que o projeto é sustentável ou ecológico, porque não sei o que isso significa na prática. Eu só odeio jogar bons materiais fora,” disse.