Opinião/ O preço que o País paga por ter uma regra em cada cidade

O preço que o País paga por ter uma regra em cada cidade
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O Brasil precisa passar por uma revisão criteriosa das políticas públicas de planejamento urbano.

Hoje, as construtoras enfrentam um emaranhado de exigências específicas em cada município, que podem elevar os custos de obras em até 15% e o preço final do imóvel em até 30%, segundo dados do Ipea.

A padronização das regras poderia trazer uma economia de até 20% no valor das unidades, de acordo com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).

Para o consumidor, isso significa tornar o sonho da casa própria mais acessível.

Ainda segundo estudo da CBIC, uma política nacional de padronização de requisitos poderia elevar em até 1% o PIB do Brasil – ganho potencial de cerca de R$ 25 bilhões, somado a novas oportunidades de emprego e investimentos. 

Um caminho seria padronizar as exigências do setor público por meio do Plano Diretor das cidades com mais 20 mil habitantes, respeitando as particularidades de cada região.

A NBR 15.575, por exemplo, revisada em 2021, estabelece diretrizes técnicas para padronizar requisitos de segurança, conforto e desempenho nas edificações residenciais, como resistência ao fogo conforme a altura da edificação, desempenho térmico mínimo de acordo com a zona bioclimática, vedação eficiente das esquadrias contra a ação de água e vento, resistência à umidade em áreas molhadas e estabilidade estrutural em condições normais de uso.

O Paraná é um bom case: o estado é líder nacional em número de cidades com Plano Diretor revisto há menos de 10 anos: 42% dos seus 399 municípios, ou seja, 170 deles seguem diretrizes amparadas pela lei, enquanto em São Paulo esse percentual é de apenas 22%.

O setor da construção civil já tem experimentado avanços importantes nas técnicas e tecnologias construtivas, o que reverbera na oferta de soluções mais econômicas, otimizando tempo, recursos e investimentos – e potencializando os efeitos das evoluções nos programas habitacionais.

Mas normativas e requisitos universais gerariam mais ganhos de escala, redução de custos e aumento da produtividade em toda a cadeia, com a reprodução de modelos bem-sucedidos de ocupação do espaço urbanos.

Esse ganho de economia chegaria também ao consumidor, que teria seu poder de compra ampliado, mas também traria mais qualidade de vida, porque o acesso à moradia digna viabiliza um crescimento mais sustentável das áreas urbanas.

A falta de moradia digna acessível acarreta, por exemplo, a ocupação de áreas irregulares, sem infraestrutura adequada, muitas vezes sem saneamento básico, o que leva à proliferação de doenças, onerando o sistema público de saúde.

Segundo dados recentes do Instituto Trata Brasil, em 2024 houve mais de 300 mil internações por doenças relacionadas à ausência de água tratada e esgotamento sanitário adequado.

De acordo com o DATASUS, são 12,46 internações por doenças de veiculação hídrica a cada 10 mil habitantes, com um custo estimado de R$ 99 milhões.

Os dados apontam ainda que apenas 56% da população brasileira tem acesso a esgoto sanitário adequado, e somente 52,2% dos esgotos são tratados – o que contribui diretamente para surtos de doenças como dengue, disenteria e hepatite A, conforme estudos da Fundação Oswaldo Cruz.

Os surtos epidemiológicos somam custos que poderiam ser evitados com investimentos estruturais, uma vez que exigem ações emergenciais, como campanhas de vacinação e mutirões de limpeza. 

No âmbito do meio ambiente, a ocupação desordenada das áreas urbanas também tem seu preço, e é alto: da degradação de ecossistemas urbanos e rurais, com desmatamento e perda de biodiversidade, ao aumento da incidência de alagamentos, dada a sobrecarga nos sistemas de drenagem das cidades com a ocupação de áreas de absorção natural e a impermeabilização do solo.

Além disso, a falta de infraestrutura nas áreas irregulares leva à poluição do solo e dos corpos d’água, afetando a dinâmica dos recursos hídricos e do acesso à água potável – mais um risco às condições de saúde –, e ao aumento da vulnerabilidade de áreas geologicamente instáveis: mais erosão e mais deslizamentos.

O objetivo tem de ser ampliar a construção de moradia formal de qualidade com infraestrutura adequada; evitar a ocupação de áreas de risco; promover o crescimento das cidades preservando o meio ambiente e salvaguardando a saúde e a dignidade das pessoas – tudo isso dentro de uma lógica econômica que faça sentido para quem produz.

*Raphael Lafetá é presidente do Sinduscon-MG e diretor-executivo de Relações Institucionais e Sustentabilidade da MRV.

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