Opinião/ Reforma tributária impõe reengenharia no setor imobiliário

Reforma tributária impõe reengenharia no setor imobiliário
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O setor imobiliário integra atividades de indústria e serviços, cada qual com regras e efeitos tributários díspares e sem coerência, obrigando as empresas a se adaptar às diferentes sistemáticas fiscais, sem qualquer racionalidade ou eficiência, pois o sistema tributário nacional nunca teve tais características.

Na adaptação para sobrevivência, foi-se criando uma sensação de que havia ganhos na simplicidade ilusória de algumas opções fiscais, como o PIS/Cofins cumulativo, o RET e a segregação entre municípios (ISS) e estados (ICMS), além de outros maus exemplos de nosso exótico sistema tributário.

O uso inteligente ficou restrito às estruturações dos negócios imobiliários, sem ganhos na gestão fiscal ou na precificação técnica dos produtos (unidades imobiliárias – apartamentos, casas, conjuntos ou lotes – ou serviços de construção ou locação).

O simplismo gerou efeito anestésico nas cadeias produtivas do setor imobiliário, desmotivando inovações relevantes e qualificação na gestão fiscal e na precificação.

Pouca diferença havia entre uma gestão altamente refinada na parte fiscal, com precificação minuciosa, perante o concorrente com um bloco de papel e contas a lápis. 

O novo cenário, decorrente dos efeitos drásticos da reforma tributária do consumo, trará desafios e oportunidades de igual dimensão, pois o setor imobiliário é um dos poucos que passará a ter maior complexidade fiscal, diferentemente dos setores de comércio e indústria, que terão substancial simplificação.

É um equívoco a percepção de que a atual sistemática tributária de consumo para o setor imobiliário – composta pelos atuais ISS, ICMS, IPI, PIS e Cofins – é  simplificada, e também de de que a carga tributária é aparentemente baixa, pois desconsidera-se o efeito residual dos tributos acumulados ao longo da grande cadeia produtiva do setor.

Os próprios grupos de trabalho criados pelo Ministério da Fazenda, encarregados de sugerir novas normas, e os parlamentares envolvidos na discussão da reforma tiveram grande resistência na compreensão dessa situação e aceitação de uma realidade que exigiu importantes ajustes no tratamento final destinado ao setor imobiliário, pois tinham a mesma impressão de grande parte dos próprios empresários, acreditando que a tributação existente se restringiria ao ISS e à dupla PIS/Cofins, já que são esses os tributos mais visíveis na ponta final do consumo.

A verdade, no entanto, é radicalmente diferente, causada pelo efeito oculto da carga tributária violenta que ocorre ao longo da cadeia de fornecimentos para produção de um imóvel, pois atualmente todo o sistema segue a regra da cumulatividade tributária, sem qualquer forma de compensação ou creditamento dos tributos recolhidos anteriormente na cadeia produtiva.

A tributação direta na etapa final pode até parecer pequena, mas a somatória real de todo o custo tributário embutido, especialmente do ICMS, PIS e Cofins, é avassaladora!

Essa realidade mudará completamente com a implementação da reforma tributária já aprovada e em vias de iniciar sua aplicação efetiva, pois o critério basal e geral passará a ser o da não-cumulatividade, que permitirá amplo e irrestrito creditamento dos tributos acumulados ao longo da cadeia produtiva e, mais importante, completa transparência da carga tributária.

A simplificação importante para o setor ocorrerá apenas em termos da unificação da legislação, livrando as empresas da infinidade de diferentes normas, que cada município e cada estado atualmente tem liberdade para impor.

O impacto não é apenas teórico e filosófico.

Na atividade da construção, por exemplo, a atual sistemática desestimula e até penaliza qualquer avanço em termos de tecnologia construtiva e eficiência nos processos, pois a tributação se dá sobre a receita bruta dos contratos.

Já no novo cenário, além de eliminar o crítico risco de interpretação atualmente existente em relação à base de cálculo do ISS, a possibilidade de total creditamento de todos os valores de materiais e serviços intermediários trará um efeito benéfico e impulsionador dos avanços tecnológicos, abrindo espaço para empresas focadas em eficiência.

A seleção de fornecedores passará necessariamente pela ótica do efeito fiscal do crédito tributário que será gerado, muito além do mero preço, permitindo negociações comerciais mais transparentes e tendendo a eliminar situações de concorrência desleal de simples sonegadores e tratamentos tributários “criativos”, pois tudo entrará na conta fiscal final.

Para incorporação imobiliária e loteamentos, os efeitos serão ainda mais amplos em razão da criação do redutor de ajuste, que é um crédito especial destinado especificamente para essas atividades e que tem a potência de até mesmo trazer reduções da carga tributária final perante o atual cenário, especialmente nos produtos destinados às faixas mais baixas de renda.

Esse redutor corresponderá à somatória dos custos atrelados à viabilização do terreno para o posterior empreendimento (custo de aquisição da área, regularização, outorgas e licenças, por exemplo), o que fará com que as próprias formas e valores declarados de aquisição dos imóveis tenham que ser mais bem estruturadas e devidamente quantificadas em seus reflexos na carga final do IBS/CBS.

Como os ciclos produtivos são longos, a compreensão correta deve ocorrer desde já, pois as formas e valores atuais de aquisição de uma área terão reflexos diretos daqui a alguns anos, na venda das unidades, quando já estarão em vigência plena as novas regras.

A preparação para essa revolução exigirá uma reengenharia completa de todo o processo produtivo das empresas, para conhecer a fundo todo o real custo fiscal da cadeia produtiva integral.

Será substancial a diferenciação de mercado para a gestão qualificada e a adequação de sistemas nas áreas contábeis, fiscais e comerciais das empresas, a fim de permitir a eficiência máxima na precificação técnica de seus produtos.

As consequências serão sensíveis na competição e na geração de resultados, podendo criar verdadeiros abismos concorrenciais para quem não aproveitar adequadamente o período de transição até o efetivo início das novas sistemáticas.

Alexandre Tadeu Navarro Pereira Gonçalves é sócio-fundador do Bicalho Navarro Advogados.

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