“O cartório virou nosso sócio.” Em Minas, algumas taxas subiram 40x

“O cartório virou nosso sócio.” Em Minas, algumas taxas subiram 40x
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BELO HORIZONTE – Os cartórios de Minas Gerais estão rindo à toa, mas as incorporadoras do estado estão perdendo o sono.

Faz dois meses que as taxas de serviços notariais e registros para imóveis nos cartórios subiram dramaticamente, após a entrada em vigor de uma lei proposta pelo Tribunal de Justiça – o órgão público responsável por reger e fiscalizar a atuação destas atividades por meio da Corregedoria-Geral.

O mercado imobiliário considera que os aumentos foram desproporcionais e podem inviabilizar negócios.

Na tabela de registros de imóveis, as escrituras são divididas em 24 categorias: a primeira para valores abaixo de R$ 1,4 mil e a última para quantias acima de R$ 3,2 milhões. Todas tiveram um aumento de 226%.

Além disso, a lei acabou com o teto das faixas: agora a mais alta sofre uma sobretaxa de R$ 3 mil a cada R$ 500 mil acima do valor de R$ 3,2 milhões, com correção anual, e que pode ser aplicada até o limite de 300 vezes.

Para tentar reverter as medidas, o Sinduscon de Minas Gerais ingressou com uma ação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pedindo a suspensão imediata da nova tabela por “perigo de dano concreto, atual e irreparável”.

No processo, ao qual o Metro Quadrado teve acesso, o Sinduscon-MG afirma que não há nada que justifique os valores cobrados pela lavratura de escrituras públicas, já que o aumento não está embasado em um avanço do custo dos serviços.

“Trata-se de cobrança compulsória e ilegal, cuja continuidade viola diretamente os princípios da legalidade, anterioridade, segurança jurídica e moralidade administrativa,” diz o documento.

“Tivemos o caso de uma empresa local que entrou com o registro de incorporação em março, pagou a taxa antiga e, quando ficou pronto, em abril, teve que pagar a diferença. Neste caso, a cobrança subiu de R$ 76 mil para R$ 925 mil,” disse o Sinduscon do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba.

Além do aumento, as taxas continuam sendo aplicadas de forma concomitante em diferentes etapas: aquisição do terreno, retificação de matrícula, incorporação + instituição de condomínio, registro de hipoteca e averbação do Habite-se.

“Eu me recusei a pagar, mas não vou aguentar muito tempo. Sou incorporadora, estou construindo um prédio e preciso do dinheiro do banco. O contrato que gerou essa taxa absurda saiu de R$ 18 mil para R$ 726 mil. São 40 vezes o valor,” diz um empresário que pediu anonimato.

A nova lei trouxe ainda um rachuncho, alinhando vários braços do Poder Público à bonança dos cartórios.

Na faixa mais alta, foi criada uma destinação de 25% da verba extra para três órgãos públicos estaduais: o Ministério Público, a Defensoria Pública e a Advocacia-Geral. 

A proposta do TJ de Minas foi aprovada em dezembro – com folga – pela Assembleia Legislativa, por 54 votos a cinco, e sancionada semanas depois pelo governador Romeu Zema, um autoproclamado liberal.

Como o TJ não mencionou nenhuma razão para o aumento das taxas e tabelas na justificativa do projeto, o Metro Quadrado pediu um posicionamento do órgão, mas não recebeu nenhum retorno até a publicação desta reportagem.

Os novos valores passaram a valer em abril, respeitando a noventena – o princípio que determina a cobrança do tributo somente 90 dias depois da publicação da lei que o instituiu ou aumentou.

“O ‘custo cartório’ não era muito relevante em uma incorporação. Gastava-se de R$ 50 mil a R$ 200 mil e agora as pessoas vão gastar de R$ 2 milhões a R$ 4 milhões,” diz o empresário.

Um exemplo: para a produção e aquisição de um imóvel para a Faixa 2 do Minha Casa Minha Vida, com valor médio de R$ 250 mil, os custos cartoriais estimados são de R$ 6.698,00, ou 3% do valor. Pela tabela anterior, ficavam em torno de R$ 2 mil.

“Antes a gente nem fazia a conta para incluir essas taxas. Agora o cartório virou nosso sócio.”

Isso também se aplica na transferência de titularidade de imóveis rurais. Em uma fazenda de R$ 20 milhões, as taxas passaram de R$ 20,4 mil para R$ 235 mil, o que representa um aumento de 1.200%. 

Ainda conforme o sindicato, as mudanças também provocam desequilíbrio competitivo entre estados.

Num levantamento do Sinduscon, é possível ver a comparação dos valores cobrados em Minas Gerais com os de São Paulo e Goiás.

Em Minas, os custos podem ser até 560% maiores do que nos cartórios de São Paulo. Quanto maior o investimento, maior a discrepância. Já em Goiás, não há cobrança adicional acima de R$ 3,2 milhões, limitando os custos a R$ 16,9 mil.

Para impedir que as empresas registrem as escrituras em estados com condições mais atrativas, a nova lei também determina que todo o processo seja centralizado em Minas Gerais.

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