Sem medo de altura, família Graciola liga os motores do Senna Tower

BALNEÁRIO CAMBORIÚ, Santa Catarina – Francisco Graciola tinha uma barbearia, uma alfaiataria e uma lanchonete quando construiu seu primeiro edifício residencial, há mais de 40 anos.
O dinheiro que juntou com os pequenos negócios deu para erguer um predinho de quatro andares em Blumenau, cidade onde morava no início dos anos 1980.
Mas o investimento demorou para retornar. Quando o empreendimento estava em obras, uma enchente atingiu a região, e Seu Chico – como é chamado por amigos e funcionários – perdeu os materiais.
A estrutura que já existia acabou servindo de abrigo improvisado a uma dezena de famílias afetadas, o que adiou ainda mais a retomada.
Depois de alguns meses conseguiu finalizar o prédio, pegando gosto pelo mercado imobiliário.
“Dali eu fiz outro de 12 pavimentos e depois outro de 18, e daí foi crescendo,” ele disse ao Metro Quadrado.
Esses investimentos foram o embrião da FG Empreendimentos, hoje a maior incorporadora de Balneário Camboriú – e responsável pelos maiores arranha-céus da cidade.
Aos 73 anos, Seu Chico agora se prepara para o projeto mais ambicioso da FG: a construção do prédio residencial mais alto do mundo, com 550 metros de altura e 157 andares – e tendo como sócio o empresário Luciano Hang, da Havan.
Com 228 unidades (das quais 18 são “mansões suspensas”) e um VGV impressionante de R$ 8,5 bilhões, o Senna Tower foi lançado no fim de semana aqui em Balneário pela FG.
Só a maquete apresentada no lançamento tem 14 metros de altura, o equivalente a um prédio de quatro andares, como o primeiro de Seu Chico.
Os preços dos apartamentos vão variar de R$ 28 milhões a R$ 40 milhões. Já as mansões suspensas, de R$ 40 milhões a R$ 60 milhões. Haverá ainda coberturas triplex a partir de R$ 300 milhões.
Se tudo der certo o edifício – um projeto gestado desde 2019 – deve ficar pronto daqui a oito anos e vai superar em altura o Central Park Tower, um residencial com 472,4 metros em Nova York, e será o sexto maior edifício do mundo considerando também os prédios comerciais.
Em Balneário, o Senna Tower reinará sozinho na orla por ter quase o dobro da One Tower, também da FG, que tem 290 metros e ainda é o maior residencial da América Latina.
Ao se valer da marca Senna, em um acordo que dá um percentual das vendas à família do lendário piloto brasileiro, a FG turbinou ainda mais um prédio voltado para o público de altíssima renda, vinculando-se a um ícone de um esporte associado ao luxo.
Um ídolo de massa no Brasil, Senna acabou ganhando uma admiração especial de empresários e investidores que apreciam a mentalidade competitiva e arrojada que ele demonstrava nas pistas – e seu capacete verde-amarelo se tornou um item de colecionador para exibir em salas de reunião.
Também fã de Fórmula 1, Seu Chico não conseguiu ver a corrida da morte de Senna em 1994, mas como quase todos os brasileiros que sentiram a comoção, lembra-se bem daquele momento.
“Eu estava em um retiro de autoconhecimento e por isso não podíamos ver TV. Só soube depois, no mesmo dia, quando voltei. Foi um choque. O velório que houve em São Paulo foi o maior que vi na vida. Eu até me emociono,” ele disse, a voz embargando.
Nas pistas, Senna era um piloto de superação. É clássica a cena em que ele tem dificuldades para levantar o troféu de um GP de Interlagos depois de forçar o corpo nas últimas voltas para pilotar um carro que já estava sem quase todas as marchas.
E assim foi também a vida de Seu Chico, que aos nove anos perdeu um olho em um acidente de trabalho na roça e ouviu o seguinte conselho do médico que o tratou: “roça é perigo, se não quiser perder o outro olho, vá trabalhar na cidade.”
Chico foi, e no centro de Gaspar, sua cidade natal no interior catarinense, arrumou um emprego de barbeiro. Com o que aprendeu, abriu a própria barbearia em Blumenau, só para não concorrer com o ex-patrão que lhe ensinara tudo.
Surgia um empreendedor.
No ano que Senna morreu, os Graciola já haviam construído seu primeiro prédio em Balneário, mas seus negócios imobiliários ainda estavam na pessoa física. Não havia uma FG Empreendimentos.
A coisa mudou de figura quando seu filho mais velho, Jean, então com 24 anos, se juntou ao pai para estruturar um negócio de real estate, em 2003.
Balneário Camboriú se consolidou como o principal mercado da empresa depois que uma mudança no plano diretor da cidade removeu os limites de altura, em 2008.
Dali em diante, a FG se especializou em arranha-céus, tendo como hábito colocar sua sigla no topo dos prédios, como uma marcação de território, uma inspiração que Jean foi buscar em suas viagens a Dubai, uma cidade que respira luxo.
Do ponto de vista de governança, o ponto de virada para a FG foi 2012, quando Jean se organizou para a empresa ter um conselho e balanços auditados.
Foi ali que passou a existir uma hierarquia mais clara, com ele de CEO e o pai como chairman.
“Eu e meu pai somos complementares: enquanto ele tem uma visão de futuro, olhando oportunidades, eu tenho um perfil mais de gestor,” disse Jean, hoje com 45 anos.
Em sua história, a FG já construiu 65 empreendimentos em Balneário, sendo que mais de 30 têm mais de 100 metros de altura.
“Quanto maior o prédio, mais eu consigo diluir o custo,” disse Jean.
Para ajudá-la com a engenharia dos prédios cada vez mais altos, a FG conta com os serviços de Fatih Yalniz, um engenheiro especialista em edificações altas, que exigem uma fundação específica e tecnologias para que o morador não sinta o prédio balançando.
A FG até criou sua própria consultoria, a FG Talls, para ajudar quem pretende construir arranha-céus em outras regiões.
Já no seu próprio quintal, quem anda pelas ruas de Balneário topa com a marca FG em qualquer esquina.
A sigla é quase onipresente na região, e está até no café servido pela empresa aos visitantes com as letras desenhadas pelo barista na bebida.
O crescimento se valeu ainda de parcerias com nomes famosos, começando em 2013 pela atriz Sharon Stone, que aceitou ser garota-propaganda da marca, até a família de Cristiano Ronaldo, que também se tornou um investidor e está espalhado pela cidade em outdoors da FG ao lado da sua mãe e irmã.
O acordo com a marca Senna surgiu por iniciativa da família do piloto, que já estava buscando algum empreendimento imobiliário para vincular à marca e conheceu a FG por meio de um amigo em comum da família Graciola.
A FG já tinha um empreendimento sendo preparado, o Triumph Tower, e aproveitou para transformá-lo em Senna Tower, passando também por adaptações no projeto em si.
Das conversas de Jean e Seu Chico com a família Senna surgiram ideias como ter no edifício um museu para o piloto e também uma pista de kart, dois grandes atrativos para compradores apaixonados por Senna.
O conceito do empreendimento é assinado pela antropóloga Lalalli Senna, sobrinha de Ayrton, que desenvolveu uma narrativa baseada na jornada do herói. Para quem estiver vendo o prédio de fora, a lateral vai lembrar uma pista de corrida, e haverá a impressão de que o edifício não tem fim.
Em uma das características do prédio que remetem a velocidade, o elevador será capaz de ir do térreo ao último andar em menos de um minuto, ou seja, mais veloz do que a volta mais rápida de Senna na F1.
“Depois que mudamos o nome da torre para Senna Tower veio uma avalanche de ligações, principalmente de fãs que queriam saber como seria o projeto,” disse Seu Chico.
Por ser um empreendimento que se vende como exclusivo, a FG decidiu que, diferentemente do que costuma fazer, as vendas seriam feitas por um clube restrito de vendedores formado por Seu Chico, Jean e cinco gerentes da empresa.
Com o lançamento, a visita ao estande para conhecer o projeto vai permitir um passeio pela vida profissional de Senna, com a exposição de itens como o seu icônico macacão vermelho, suas sapatilhas, o capacete, o champagne de uma vitória e um carro da Lotus, sua primeira equipe na F1.
Antes mesmo do lançamento, a FG já vendeu R$ 1,3 bilhão dos R$ 8,5 bilhões de VGV.
“Nós nem precisamos anunciar, são os interessados que estão nos procurando,” disse Seu Chico.
A maioria dos clientes da FG é da própria região Sul e também do Centro-Oeste, em especial produtores do agronegócio que querem investir em imóveis ou uma segunda residência para veraneio.
A empresa rejeita a tese de que Balneário esteja perto de uma bolha – argumento usado por quem vê que boa parte das compras é feita por investidores e não para morar, sugerindo ausência de demanda real.
“Estou há 26 anos nesse mercado e desde então escuto que estamos perto de uma bolha. O que temos hoje é um déficit de vendas, porque há um mercado muito grande de clientes que ainda não atingimos, no Brasil e no exterior,” disse Jean.
Sem sentir o mercado esfriar, a FG vendeu R$ 2 bilhões ano passado, com margem líquida de 34%, e estima lançar inacreditáveis R$ 15 bilhões este ano, metade sendo a Senna Tower.
Jean nega planos para um IPO por entender que a empresa já tem números robustos e não tem necessidade de levantar capital. “E se eu precisar de capital, posso recorrer à Finep ou ao plano-empresário dos bancos,” disse.
Embora a FG esteja sempre se superando com prédios cada vez maiores, o Senna Tower deve seguir como o mais alto por um bom tempo, até para que seu status de exclusivo não seja perdido rapidamente.
A empresa já tem outros projetos para os próximos anos, mas todos serão menores.
“Estamos fazendo algo que é uma marca para o nosso país, para ser a cereja do bolo, a nossa fonte de energia,” disse Seu Chico.