A arquitetura de Liu Jiakun, o vencedor do Pritzker de 2025

A escolha do arquiteto chinês Liu Jiakun para o Pritzker 2025 marca a premiação de mais um corpo de trabalho que não foge do contexto global.
No ano passado, o japonês Riken Yamamoto foi laureado por seus conjuntos habitacionais para as massas. Este ano, Liu ganhou pela presença urbana e cultural que emana de seus projetos.
Ainda que haja crescente ceticismo a respeito de métricas estrangeiras, é saudável que o prêmio mais importante da arquitetura esteja em sintonia com as aspirações globais e não fique alheio às demandas comuns às grandes metrópoles.
Liu Jiakun nasceu em 1956, às vésperas da Grande Fome Chinesa, e passou grande parte da sua infância nos corredores do hospital onde sua mãe trabalhava. Ainda jovem, foi enviado para trabalhar no campo por três anos durante a Revolução Cultural Chinesa.
Quando as universidades reabriram, no final dos anos 1970, decidiu ingressar no Instituto de Arquitetura e Engenharia em Chongqing, onde se graduou em 1982.
Trabalhou para o Estado por alguns anos, mas, desanimado, deixou a arquitetura e passou uma década no Tibete, praticando pintura, meditação e escrita. Sua literatura nos leva de volta à sua arquitetura.
Seu romance distópico publicado em 1999, Bright Moonlight Plan, conta a história de um arquiteto que planeja uma cidade do zero e promete dar nova forma ao espírito de seus cidadãos. No entanto, o resultado é uma tragédia inesperada, numa espécie de metáfora do sonho de uma geração.
Liu inspirou-se nas cidades utópicas de Le Corbusier e nas revoluções comunistas soviética e chinesa. Seus projetos premiados, por outro lado, se revelam amistosos com o passado, com uma grande capacidade de construir o novo (sempre de grande porte) com materiais às vezes de reuso, mas sempre com pretensão à pátina do tempo.
Em vez de um estilo, Liu desenvolveu uma estratégia que nunca depende de um método homogêneo, e sim de avaliar as características e requisitos específicos de cada projeto de forma diferente, uma agenda bastante aberta para quem foi tantas vezes uniformizado. Sua arquitetura é simultaneamente um registro histórico, uma peça de infraestrutura e espaço público.
As últimas edições do Pritzker têm mostrado uma mudança de valores. Se antes “joias de arquitetura” – casas, lojas, igrejas, e até pequenos museus – foram apreciados enquanto programa, hoje a expectativa tem sido por projetos que agenciem instituições privadas e agentes públicos para a criação de espaços simbióticos, acomodando o coletivo das grandes massas, e não terminando em si mesmos.
Nesse sentido, as cidades brasileiras não têm estimulado um ambiente onde o público e o privado possam convergir em projetos como os de Liu, que possuem estas fronteiras borradas.
Liu Jiakun e Riken Yamamoto materializam lições importantes dos lugares em que atuam.
Felipe SS Rodrigues é mestre em arquitetura pela FAU Mackenzie e sócio de um escritório que leva seu nome. Entre suas colaborações anteriores estão Isay Weinfeld e Rem Koolhaas/OMA em Rotterdam.