Opinião/ A solução das grandes cidades passa pelo Centro

A solução das grandes cidades passa pelo Centro
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Vivemos um momento crucial no panorama habitacional brasileiro, que redefinirá a dinâmica das grandes cidades nos próximos anos.

Construir moradias populares em áreas cada vez mais centrais de capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, após décadas de concentração em bairros mais periféricos, é uma estratégia urbana que favorece as famílias em múltiplos aspectos, contribui para reduzir as emissões de poluentes com os deslocamentos dos transportes e torna as cidades mais resilientes ao crescimento populacional.

Considerando-se que a população urbana do Brasil saltará dos atuais 194 milhões para 215 milhões em 2050, segundo projeções da ONU Habitat, a visão estratégica do planejamento urbano atual deve priorizar a habitação de interesse social integrada à toda infraestrutura de transporte.

Parece óbvio, mas nem sempre ocorre na prática.

Vimos historicamente os condomínios populares surgirem em bairros desprovidos do adequado sistema de transporte público, assim como do acesso à saúde primária, a instituições de ensino e a opções de lazer.

As recentes atualizações dos planos diretores de grandes capitais permitem gerar um impacto extremamente positivo neste cenário.

Em primeiro lugar, moradias em bairros “location-efficient”, ou seja, com desenvolvimento integrado, diminuem gastos com transporte, que é o segundo maior custo do orçamento doméstico depois de habitação, segundo a última Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE.

Além disso, morar mais perto do trabalho reduz as emissões de carbono ao diminuir os deslocamentos e ao possibilitar o uso de meios menos poluentes, como andar de bicicleta, ou até mesmo caminhar.

Uma pessoa que vive no subúrbio do Rio de Janeiro, por exemplo, ao se mudar para o centro da cidade, ganha o equivalente a 585 dias, considerando-se o tempo de deslocamento deste percurso durante 30 anos. E ainda tem o potencial de reduzir a emissão de oito toneladas de poluentes na atmosfera, equivalente à pegada de carbono individual.

Esta mudança beneficia ainda mais a qualidade de vida se, nas proximidades das moradias, houver a necessária convergência com saúde e educação.

Nos últimos anos, cresceu a discussão global em torno da chamada “cidade de 15 minutos”, um conceito desenvolvido pelo professor franco-colombiano Carlos Moreno, da Universidade de Sorbonne, na França.

A ideia é reduzir as emissões de gases do efeito estufa ao diminuir o uso de carros e o tempo de deslocamento motorizado. Trata-se de um modelo de planejamento urbano descentralizado, em que os bairros concentram as funções sociais básicas para viver e trabalhar – o que melhora sem dúvida o bem-estar da população.

Paris já faz o seu replanejamento urbano baseado neste conceito há alguns anos, pelas mãos da prefeita reeleita Anne Hidalgo, entusiasta do tema.

No Reino Unido, o assunto ainda gera controvérsias e, na Alemanha, um estudo recente do Instituto Federal de Pesquisa em Construção, Urbanismo e Desenvolvimento Espacial identificou 1,2 mil cidades que já se encaixam nesta proposta.

Ainda que o Brasil esteja longe desta realidade, o ponto central é que o nosso setor, juntamente com a gestão pública das grandes cidades, chega a um ponto de virada.

A localização dos futuros projetos de moradia popular, considerando-se o objetivo maior de reduzir o déficit habitacional de 5,9 milhões de lares, passa a ter um peso significativo na agenda de sustentabilidade nacional, que se encontra ainda mais sob os holofotes com a realização da COP 30 no Pará.

Aliado a esse fator, a adoção de projetos que gerem cidades cada vez mais inteligentes e menos poluentes contribuirá não apenas para a qualidade de vida e do ambiente, mas também torna os municípios mais atrativos para investimentos de diversos outros setores – um movimento em que todos ganham.

A construção civil brasileira tem a oportunidade de acelerar a transformação ambiental urbana.

Ao alinharmos os projetos de empreendimentos imobiliários aos objetivos mais amplos de sustentabilidade, em consonância com a gestão pública, podemos enfrentar de forma mais assertiva os desafios de descarbonização que ainda temos pela frente – e que estão entre as prioridades da pauta global.

Fabio Cury é CEO da Construtora Cury.

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