As sucessoras de Valentina Caran, a Rainha da Paulista

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A corretora de imóveis Valentina Caran, outrora conhecida como a Rainha da Paulista, tentou por anos ser mãe de um menino, um sonho do seu então marido.

O destino não quis.

No saldo do casamento, nasceram seis mulheres e nenhum homem. Ela não se sente frustrada. Tem orgulho das filhas e diz que as criou para que nenhuma crescesse com preguiça para trabalhar, algo que ela incentivou depois de se separar.

“O meu ex-marido não deixava as meninas trabalharem. Sem trabalhar, depois da separação, elas iriam ficar tudo em casa,” Valentina disse ao Metro Quadrado em seu escritório no Conjunto Nacional, onde ocupa um andar inteiro. “E elas também queriam ganhar dinheiro e era bom para entender o valor da vida.”

Valentina Caram ok

A primeira a pegar no batente foi Maria Valentina, então com 16 anos, a segunda mais velha. A mãe pediu a seu advogado de confiança que a empregasse no escritório. O serviço era de recepcionista, atendendo telefone e servindo café.

Vinte anos depois, ao lado da mãe na entrevista ao Metro Quadrado, a filha reagiu incrédula ao ouvir que era ela quem pagava seu salário no escritório.

– Não, não, era o Dr. Sérgio quem me pagava! – a filha contestou.

– Mas era eu quem pagava para ele, porque a intenção era que vocês aprendessem.

– Então o Dr. Sérgio ganhou uma boa funcionária de graça.

Valentina queria que as filhas repetissem seu caminho precoce. Ela começou a trabalhar aos 9, na roça da família, na pacata Monte Mor, perto de Campinas, e aos 21 se mudou para São Paulo com o sonho de ser atriz.

O sonho acabou não se concretizando, e ela foi trabalhar como vendedora na Editora Abril. Depois de três anos virou corretora, e com mais três abriu a própria empresa. Era 1982.

Valentina nunca forçou a barra para que as filhas virassem corretoras, mas sempre deixou a porta. Das seis, três foram trabalhar com ela: Maria Valentina, hoje com 37 anos; Raisa, de 32; e Victoria, de 30.

Maria Valentina Caram ok

Todas estão representadas em uma tatuagem com a palavra “filhas” no antebraço da matriarca, perto de uma outra que ela tem no cotovelo, feita para disfarçar o desgaste na pele causado pelos muitos anos atendendo cinco telefones ao mesmo tempo. E as filhas retribuíram o gesto com a palavra “mãe” tatuada em cada uma.

Elas ainda eram crianças quando a mãe foi se tornando conhecida também fora do mercado imobiliário, tudo graças à sacada da placa com sua foto.

Valentina já usava as placas nos anos 1980, mas só com seu nome e telefone. Ao ver que um corretor com nome parecido começou a usar o mesmo design, quis se diferenciar e colocou a foto.

Era um tempo em que ainda era permitido colocar grandes painéis de publicidade nos prédios de São Paulo, e Valentina ousou instalando um anúncio com uma imagem sua de corpo inteiro na Paulista.

Foi assim que ela virou a Rainha da Paulista, atraindo a atenção de jornalistas que queriam conhecer aquela corretora que de repente estava exposta por toda a cidade, sorridente, de cabelo loiro e batom vermelho.

“Nós éramos crianças e nossa mãe nos fazia decorar o número do telefone do escritório, não por segurança, mas por ter tanta paixão pelo negócio,” lembra Victoria.

Hoje são cerca de 2 mil placas de Valentina espalhadas por São Paulo, mas só os clientes que ela chama de “Personnalité” (aqueles em sua carteira própria) podem exibir a placa com a foto da corretora.

Com 20 mil imóveis cadastrados (80% comerciais), a Valentina Caran Imóveis tem cerca de 50 corretores, incluindo as próprias filhas. As três têm uma postura low profile, tanto na imprensa (nunca haviam dado entrevista) quanto nos anúncios: nenhuma exibe o rosto nas placas. Afirmam que só fariam algo parecido se fosse em uma imagem ao lado da mãe.

– Eu já falei pra elas começaram a colocar placa com foto – disse a mãe.

– Mas mãe, é uma marca registrada sua – respondeu Maria Valentina.

– Mas já tem um monte de imobiliária que me copia.

Na era das mídias digitais, em que os corretores viralizam com vídeos mostrando mansões e apartamentos no YouTube ou no Instagram, as filhas preferem estar mais conectadas com o online, deixando o offline com a mãe.

“Eu não sei mexer em nada nesse negócio de redes sociais, elas que postam para mim,” disse Valentina.

Recentemente, o perfil de Valentina no Facebook postou um vídeo de Raisa subindo em uma escada na rua para colocar uma placa de “comercializado” em um empreendimento. “Minha filha seguindo os meus passos,” dizia a legenda.

Enquanto Maria Valentina foi trabalhar com a mãe depois da passagem no escritório de advocacia, Raisa e Victoria chegaram a ter experiências no Itaú e no Safra, respectivamente, antes de migrarem de vez para a carreira de corretora.

“Eu disse à Raisa: esse pouco que você ganha no Itaú, você ganha mais aqui comigo,” conta a mãe.

As três filhas chegaram a trabalhar juntas, por apenas um ano, em uma salinha apertada no escritório do Conjunto Nacional. “Mas era tão pequena que uma tinha que levantar pra outra sair,” lembra Raisa.

Tanto a mãe quanto as filhas têm exatamente a mesma lembrança desse período: sempre dava alguma briga. No início, atuavam mais como assessoras de Valentina. Depois, começaram a ter os próprios clientes.

“Eu dizia a elas: vocês são minhas filhas da porta para fora. Aqui dentro eu sou patroa.”

Depois desse intervalo juntas, cada uma foi para um lado. Victoria foi tocar a agência de Indaiatuba (onde a família tem residência e por isso acabou sendo um mercado para elas), Raisa foi liderar o escritório do Centro, no Edifício Itália, e Maria Valentina foi tomar conta da filial da Vila Olímpia.

Recentemente, porém, Valentina conseguiu ampliar  seu escritório no Conjunto Nacional, e chamou Maria Valentina e Raisa para ficarem com ela.

“A Maria Valentina tem um perfil de parceirinha, um coração bom. Já as outras duas são mais bravas,” a mãe diz. “A Raisa não põe nem meu número no ramal para eu não ficar ligando. Eu preciso mandar mensagem dizendo: ‘vem me ver’. Aí a minha secretária vai lá dizer: ‘sua mãe quer te ver’.”

Ao sair do escritório da Vila Olímpia, que pertence à família, Maria Valentina precisou arrumar um inquilino, e disse que fez de graça o serviço de corretora, sem cobrar comissão, uma postura que a mãe reprova.

“Eu já disse a ela: não me peça de graça a única coisa que eu tenho para vender.” A filha emenda: “Eu sei que ela pagaria com prazer, mas minha consciência não deixa.”

Aos 70 anos, Valentina diz que nunca vai se aposentar. Quer trabalhar enquanto estiver viva. E o plano das filhas é dar continuidade ao negócio, diz Maria Valentina. “O nome dela é um nome muito forte, são muitos anos de luta.”

Para se manter competitiva, a própria Maria Valentina tem buscado se especializar no mercado de residências de alto padrão, um segmento mais resiliente a períodos de juros altos. Ela usa a marca Valentina Caran Exclusive, que tem um perfil próprio no Instagram.

“O mercado mudou muito nos últimos anos. Hoje, com o tour 360º pela internet, o cliente nem precisa ir visitar. Ele está exigente: quer vídeo e foto antes de marcar visita, para não perder tempo,” ela diz. “Antes você separava três ou quatro opções, ligava para o cliente e ia lá com ele. Agora a internet está muito importante e a gente está começando a se adaptar.”

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