Minhocão: Derrubar ou não, eis a questão

Uma das maiores obras de Paulo Maluf pode estar com os dias contados.
Uma demolição do Minhocão voltou a ser discutida em São Paulo depois que o prefeito Ricardo Nunes avançou com o projeto do Boulevard Marquês de São Vicente – uma obra que vai ampliar em sete quilômetros o corredor que liga a Zona Oeste à Zona Leste, atraindo o fluxo de carros que hoje passa pelo elevado.
O Plano Diretor já prevê a desativação do Minhocão até 2029, mas a Prefeitura ainda não decidiu o que fazer com a estrutura: demolir ou dar outro uso, criando por exemplo um parque linear, dado que os vizinhos já aproveitam que a via fecha para veículos à noite e nos fins de semana para caminhar, correr, andar de bicicleta ou passear com cachorros.
Elisabete França, a arquiteta que comanda a Secretaria de Urbanismo e Licenciamento, já disse que prefere a demolição, mas reconheceu que esse é um debate que passa pela sociedade antes de uma decisão final sobre o destino do Minhocão – um equipamento que divide os paulistanos desde a sua construção.
Inaugurado em 1971 por Maluf, o antigo Elevado Costa e Silva – rebatizado em 2016 de Elevado Presidente João Goulart – foi uma solução viária para ligar as zonas Leste e Oeste, feita com pressa e sem consultar população e urbanistas.
A cidade ganhou um gigante de 3,4 km que atravessa bairros como Santa Cecília e Campos Elíseos, mergulhando ruas na sombra e ocupando a vista dos prédios nas laterais, trazendo barulho e fuligem.
O urbanista Valter Caldana, professor do Mackenzie, está no time pró-demolição.
“Ali é absolutamente insalubre. Quem defende a manutenção do Minhocão até hoje não consegue apresentar uma solução para o que acontece no baixio,” ele disse ao Metro Quadrado.
“O Minhocão não estraga apenas onde passa. O impacto se espalha por 300 metros em cada lateral, comprometendo a vitalidade urbana.”
Toda tentativa de adaptação parcial — abrir claraboias, estreitar pistas ou criar passagens de ar — nada mais é do que um processo de demolição camuflado, ele diz.
“Deveríamos usar o Rio como referência. Ainda que o Porto Maravilha não seja perfeito, a cidade reconheceu que tinha um problema grave e agiu.”
Caldana se refere ao Elevado Perimetral, construído nos anos 1960 para conectar a Zona Norte ao Centro, e demolido em 2013 para dar lugar ao Boulevard Olímpico, que transformou a orla central em área de convivência com museus, praças e espaços culturais.
A arquiteta Anna Dietzsch, no entanto, fundadora do escritório Arquitetura da Convivência, rejeita importar a fórmula do Rio.
“São Paulo tem uma dinâmica completamente diferente. A escala é outra e a forma como as transformações urbanas acontecem aqui também,” disse.
Para ela, é necessário assumir a estrutura como parte do tecido urbano e pensar em soluções para os problemas do elevado.
“Demolir significa lidar com toneladas de concreto tóxico e aumentar a pegada de carbono. Reutilizar a estrutura é mais responsável,” disse a arquiteta, defendendo que o debate vá além de uma escolha entre demolição ou parque. “Se bem planejado, pode se tornar um destino, e não apenas um espaço de passagem.”
Em 2018, um projeto que transformava o elevado em parque chegou a ser aprovado na Câmara Municipal, mas também não foi para frente.
Seja qual for o caminho, o mercado imobiliário aguarda uma definição para tomar decisões de investimento no Centro – uma região que voltou a despertar atenções desde que a Prefeitura passou a estimular projetos de retrofit e o governo estadual apresentou um projeto para levar sua sede de volta para o Campos Elíseos.
Do jeito que está, o Minhocão acaba desvalorizando os prédios residenciais e corporativos no entorno, onde moram cerca de 330 mil pessoas, somando os bairros cortados pelo elevado.
“Se o espaço fosse transformado em parque, a valorização seria instantânea, mas é preciso cautela para não criar um gargalo de mobilidade,” disse Ygor Chrispin, o gerente de Escritórios da Colliers.
Guil Blanche, o urbanista que fundou a Planta, uma das incorporadoras que realizam retrofits no Centro, tentou em 2016 emplacar o projeto Marquise Minhocão, que transformaria o baixio em espaço de lazer.
“Queríamos transformar o que já existe em algo útil e agradável, sem cair no radicalismo da demolição. Mas o projeto esbarrou na troca de governo e acabou abandonado,” disse Blanche.
E mesmo a alternativa de demolição é insuficiente no momento para pensar em projetos imobiliários que se aproveitem disso. “É impossível o mercado contar só com uma ideia para explorar aquela região.”
Hoje, a gestão Nunes tem investido em melhorias como a instalação de iluminação e reforço de segurança, além de ter construído bolsões de estacionamento.
O projeto do Boulevard ainda está longe de ser concluído. O último movimento da Prefeitura foi autorizar o início do processo licitatório para a contratação do projeto básico e estudo de impacto ambiental, no mês passado.
Com investimento de R$ 1,5 bilhão, a Prefeitura prevê a conclusão da obra em 2028.
Até lá, a discussão sobre o Minhocão será tão lenta quanto o trânsito no elevado em horário de pico.