Na Vila Leopoldina, o Ceagesp se tornou o X da questão
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À medida em que a Vila Leopoldina atrai escritórios e projetos de prédios residenciais, um dos principais pontos de referência da região – o terminal do Ceagesp – vai se tornando um ponto de interrogação cada vez maior para quem mora ou investe no bairro.
Inaugurado em 1966, o prédio do centro atacadista de alimentos, destino de caminhões que chegam de todo o Brasil com frutas e legumes, reinou sozinho por décadas na Vila Leopoldina.
Nos últimos anos, contudo, começou a ter cada vez mais vizinhos corporativos, como Nubank e PicPay, além de ter entrado no radar de investidores que querem tocar novos empreendimentos por ali.
As principais reclamações são de que o terminal do Ceagesp, o único da capital (há outros 12 no interior), provoca engarrafamentos no bairro, sofre alagamentos em dias de chuva e atrai pessoas em situação de rua para seu entorno.
O ideal, defendem os investidores interessados, seria transferir o Ceagesp, de 700 mil metros quadrados, para um lugar mais afastado. Já quem trabalha lá afirma que a mudança pode encarecer os alimentos, piorar a logística e mexer com a vida dos comerciantes, embora reconheçam a necessidade de uma revitalização.
Mas quem precisa dar o primeiro passo para que algo aconteça é o Poder Público. E é aí que está o grande impasse, porque a discussão não envolve apenas o Governo Federal, dono do Ceagesp, mas também o Estado, uma vez que o Ceagesp está espalhado também pelo interior, e a própria Prefeitura, já que se trata de uma questão da cidade.
“Seria necessário um alinhamento dos astros entre esses três poderes para que algo saísse do lugar,” um investidor interessado na região disse ao Metro Quadrado. “Para quem investe, se você sabe que algo vai acontecer, você catalisa a mudança. Se não sabe, não tem mudança. O Ceagesp é uma luta de subida de montanha.”
O Ceagesp vive situação similar à do aeroporto de Congonhas, compara o diretor de uma imobiliária. “Quando o aeroporto foi feito na década de 1930, estava em uma região afastada, e hoje é envolvido por toda a cidade,” diz.
A permanência do Ceagesp, porém, não chega a travar o avanço do bairro ou faz a região se desvalorizar. A percepção de investidores é de que apenas retarda a expansão.
“Muitas coisas aconteceram lá nos últimos 10 anos e o Ceagesp já está lá há muito mais tempo,” diz Andy Gruber, sócio e head de projetos da Paladin, uma gestora que tem estudado o bairro para possíveis empreendimentos.
“Vai ter prédios de altíssimo padrão? Não. Não vai virar uma nova Vila Nova Conceição. Mas hoje há galpões que são usados para exposições e que mostram o potencial do bairro para ser um polo artístico e gastronômico.”
Uma das razões para a aposta no bairro é o Plano de Intervenção Urbana (PIU) que a Prefeitura deve implementar, aumentando o potencial construtivo da região para empreendimentos.
A expectativa é que o leilão ocorra ainda este ano. O projeto também prevê que os investidores ofereçam habitações aos moradores das comunidades no entorno, que também seriam desfeitas. Um dos grandes interessados no bairro é a Altre, a plataforma de ativos imobiliários do Grupo Votorantim.
“A Vila Leopoldina é uma região com potencial porque tem melhor acesso que a Chucri Zaidan e ainda tem boas escolas para quem quer morar e trabalhar no mesmo bairro, como o Vera Cruz e o Santa Cruz”, diz o diretor de uma consultoria.
Em sua cobiçada área, o Ceagesp recebe mercadorias de mais de 23 países e envia para todo o Brasil, assim como para Argentina, Chile, Paraguai e Uruguai. Só em 2023, mais de 3 milhões de toneladas passaram pelos seus portões, movimentando mais de R$ 16 bilhões.
No total, cerca de 20 mil pessoas trabalham no Ceagesp, entre fixos, carregadores autônomos e trabalhadores avulsos. Já os visitantes somam pelo menos 50 mil por dia.
Se hoje o Ceagesp incomoda quem mora no entorno ou pretende investir, isso também se deve aos escassos investimentos no entreposto, travados pelo Plano Nacional de Desestatização (PND).
Em 1997, após uma tentativa sem sucesso de privatização, o então governador Mário Covas passou o Ceagesp para o Governo Federal como forma de pagar a dívida do Banespa – incorporado ao Santander no ano 2000. Logo em seguida, o Governo Fernando Henrique Cardoso colocou o ativo na lista de empresas que seriam desestatizadas, do PND.
Empresas que estão no PND não podem passar por revitalizações enquanto não são desestatizadas, e o Ceagesp só foi tirado da lista na gestão Dilma, quase 20 anos depois. Voltou ao plano no governo Bolsonaro, e foi retirado novamente no Lula 3.
Para o diretor-presidente do Ceagesp, José Lourenço Pechtoll, uma saída do terminal da Vila Leopoldina tem vantagens e desvantagens.
Entre os prós estão a melhoria da infraestrutura, redução do trânsito urbano, melhoria ambiental e espaço para planejar o crescimento a longo prazo. Já entre os contras há o impacto no custo dos alimentos, desafios logísticos, impacto social para os comerciantes e negócios ao redor, além do alto custo de mudança, o risco de centralizar novamente em outro local, e uma possível dificuldade de adaptação para os pequenos produtores.
Do ponto de vista do abastecimento alimentar, Pechtoll diz que seria essencial escolher uma localização estrategicamente conectada às rodovias e áreas de consumo, e planejar a transição de forma gradual, evitando rupturas no sistema de abastecimento.
Além disso, seria preciso criar hubs regionais descentralizados para reduzir a dependência de um único local, e garantir subsídios ou incentivos para pequenos produtores e comerciantes se adaptarem ao novo modelo.
“Se essas medidas forem adotadas, a transferência pode ser uma oportunidade para aprimorar o sistema de abastecimento da cidade. Caso contrário, investir na modernização do local atual pode ser uma alternativa mais prática e econômica,” Pechtoll disse ao Metro Quadrado.
Já para Hilton Piquera – diretor do Sindicato do Comércio Atacadista, Importador e Exportador de Frutas do Estado de São Paulo e um dos permissionários do Ceagesp –, dividir o centro de abastecimento em entrepostos regionais nas zonas norte, sul, leste e oeste de São Paulo é uma boa ideia apenas na teoria. Na prática, isso afetaria a formação de preço e a demanda dos produtos.
“O Ceagesp não é um simples comércio de caixas de fruta. Um comparativo conosco é a Bolsa de Valores, porque também somos formadores de preço,” disse Piquera. “Se trocarem o Ceagesp por um hospital, parque ou escola, aí sim seria estratégico. Mas trocar o abastecimento da cidade por construções de classe média e classe alta? Não vejo razão.”
Em 2017, quando Geraldo Alckmin era governador de São Paulo, ele lançou o chamamento 7/2017, que buscava a criação de um entreposto que substituiria o da Vila Leopoldina.
No fim, quatro projetos foram apresentados, todos em lugares muito diferentes um do outro: Perus, Carapicuíba, Rodoanel e Pirituba. E todos seguem em andamento, ainda sem qualquer previsão de resposta. “Se apresentarem um projeto bem localizado, com toda a estrutura, com um custo menor, lógico que eu vou,” disse Piquera.
O Sindicato também tem um projeto próprio de revitalização, estimado em R$ 650 milhões, enquanto as propostas do chamamento passavam de R$ 2 bilhões. No mandato de João Doria, o chamamento foi cancelado.
Na visão de Carlos Alexandre, diretor da associação de moradores Viva Leopoldina, o mais importante é que algo seja feito em linha com o potencial do bairro, seja por meio de uma modernização tecnológica ou troca de endereço. “Apesar de não estar totalmente claro o que se pretende fazer ali, sabemos que não pode ficar como está hoje, atrasado. Isso atrapalha todo mundo,” disse.
O Governo Federal não informou se há planos de mudança do endereço do Ceagesp e limitou-se a dizer ao Metro Quadrado que a companhia é vista como estratégica para as políticas de promoção da segurança e da soberania alimentar do País.