Entrevista/ ‘O carioca está redescobrindo o Centro’

Osmar Lima, secretário de Desenvolvimento Econômico do Rio de Janeiro, rejeita a ideia de que a cidade onde nasceu se limita à Zona Sul.
Além de ter crescido na Ilha do Governador, que fica na Zona Norte, sua vida profissional está intimamente ligada ao Centro.
Foi lá onde ele trabalhou nos seus anos de BNDES e continua sendo lá onde ele tem ido de segunda a sexta desde que assumiu no início do ano o comando da secretaria, a pasta que inclui o mercado imobiliário entre suas ferramentas para o desenvolvimento da cidade.
Logo na entrada do edifício da secretaria, uma TV enorme exibe com música triunfal uma série de imagens do projeto que mais gera entusiasmo em Osmar: o Reviver Centro, um programa que incentiva o retrofit de prédios comerciais antigos em residenciais por parte da iniciativa privada.
Entre essas imagens está o A Noite, edifício que era da União e já abrigou a Rádio Nacional. Antes abandonado, foi comprado pela Azo Incorporadora, que depois vendeu 97% das unidades para a Brookfield, que irá transformá-lo em um residencial para locação.
“A história do Rio de Janeiro está impressa em seu centro. Os prédios e as ruas são um pedaço dela. Reocupá-lo ou dar uma nova destinação também é garantir que essa história não caia no esquecimento,” Osmar disse ao Metro Quadrado. “O carioca está redescobrindo o Centro.”
A Prefeitura tem ainda uma lista de 54 ativos que estão à venda, como um imóvel em Botafogo que já abrigou a Guarda Municipal do Rio.
“O que o Rio precisa é o esforço continuado em aumentar a complexidade e dinamizar a economia para atrair mais empresas, mais oportunidades, ter uma melhor retenção de talentos. Em qualquer lugar da cidade, da Zona Norte à Zona Sul,” ele disse.
“Eu não compartilho da visão de que o Rio está limitado.”
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Há uma percepção no mercado de que o Rio é geograficamente limitado para crescer. É possível driblar isso?
Há cinco anos, se perguntassem a alguém se ele acreditava que a Zona Sul do Rio de Janeiro viraria uma fronteira de desenvolvimento imobiliário, muita gente iria torcer o nariz e dizer “não tem mais pra onde crescer, não dá mais”. Mas basta uma pequena caminhada por Ipanema para ver dezenas de canteiros de obra subindo prédio em todas as ruas, vendendo num preço de metro quadrado inacreditável.
Mas a cidade consegue ter bons projetos para além da Zona Sul?
Como vamos achar que uma cidade como o Rio não tem espaço para uma melhoria ou um desenvolvimento imobiliário mais robusto na Zona Norte, por exemplo? Acabamos de expandir a área de utilização de CEPACs para a região de São Cristóvão. Eu aposto todas as fichas que o bairro vai se desenvolver e muito, porque é perto do centro, conectado com todos os transportes, e excelente em qualidade de vida. A própria Tijuca é um caso interessante. Lançamentos incríveis que vendem no mesmo dia, numa região próxima da Zona Sul, com infraestrutura. A Zona Sul não tem como se expandir geograficamente, mas o Rio não é só a Zona Sul.
Mas o mercado acaba comparando muito o potencial do Rio com São Paulo.
É um bom ponto, mas eu não gosto dessa comparação permanente com São Paulo. São realidades completamente distintas. Depende do que as pessoas buscam em cada cidade. O Rio atrai as pessoas por conta de características próprias, diferentes de São Paulo.
São Paulo está indo numa linha de desenvolver múltiplas centralidades. Mas o Rio também. Nós temos o Centro, a Barra da Tijuca, a Zona Sul, mas com características muito diferentes. E o que eu acho que o Rio precisa é o esforço continuado de aumentar a complexidade e dinamizar sua economia para atrair mais empresas, mais oportunidades, ter uma melhor retenção de talentos. No fim, nossa comparação não é com São Paulo. É uma comparação de nós com nós mesmos.
O Leblon é um destino importante para escritórios. É possível criar novos polos corporativos na Zona Sul?
A Zona Sul tem sido um caso interessante do ponto de vista do comercial. No Leblon, não só não há vacância, como o preço é comparável e várias vezes maior do que o preço da Faria Lima. Claramente, adensou o comercial na Zona Sul. Você anda em Ipanema e vê o pessoal de sunga e biquíni andando junto com o pessoal de roupa de escritório.
Mas eu não vejo o surgimento de um novo polo comercial. Sempre vai ser uma oferta escassa, muito disputada e com preço mais elevado, porque ali a característica é residencial e continuará sendo.
Por outro lado, quando entramos no eixo que inclui Copacabana, Flamengo, Glória, Catete e Centro, há uma série de equipamentos comerciais, muito interessantes e que já se beneficiam desse movimento de alguma maneira.
Por que, além dos retrofits, o Reviver Centro está liberando construções em terrenos vazios?
O retrofit de prédios comerciais transformados em residenciais é o nosso objetivo maior. Mas ocupar espaços vazios também com moradia não é menos importante e não é menos nobre. Ter essa possibilidade faz bastante sentido porque o objetivo final é atrair mais pessoas para o centro. Nós acreditamos que, por meio das moradias, vamos conseguir dar um passo importante na revitalização da região central, porque pessoas trazem vida.
Como são mapeados os prédios que serão retrofitados e os terrenos que serão ocupados novamente?
Esse é um movimento puramente do mercado. É interessante porque é uma política pública habilitadora, no sentido de que a Prefeitura delimitou um espaço e informou quais transações nesse espaço com esse tipo de perfil geram esse tipo de benefício. A partir daí, o movimento foi puramente privado com privado: um parceiro privado que tenha um prédio ou um terreno encontra outro que queira comprar e retrofitar, sem indução da Prefeitura.
Salvo casos muito específicos, como o A Noite, que era um prédio público e a Prefeitura entendeu que ali existia uma oportunidade, porque o mercado privado ou a relação do governo federal com o privado não estava resolvendo. A Prefeitura entrou, destravou os nós e depois virou de novo privado com privado.
Quem é bom de encontrar terreno e prédio é o privado, não o poder público. Cada um faz o que sabe fazer. A gente faz política pública e eles fazem negócio.
O que já é possível perceber de efeitos do programa para a cidade?
A expansão residencial da Zona Sul é um reflexo direto do Reviver Centro. As incorporadoras só podem usar o potencial construtivo em Ipanema quando sai o habite-se do empreendimento que gerou o potencial construtivo no Centro. Se está acontecendo em Ipanema, é porque está acontecendo no Centro.
Temos 4 mil unidades residenciais licenciadas no Centro, dentro do Reviver, que estão gerando esse potencial construtivo em Ipanema. Isso é reflexo de uma política pública da melhor alocação do potencial construtivo. É um jeito inteligente, e eu posso falar isso porque não foi uma política que eu criei. Estamos vendo o resultado tanto na construção na Zona Sul, que é a principal área receptora do potencial construtivo, quanto na revitalização no Centro da cidade.
E do ponto de vista econômico?
O centro da cidade ainda é o maior gerador de empregos do Rio. Trazer as pessoas para morar ali também aumenta o potencial econômico dessa região, porque além de ser um ambiente de trabalho, também vira um lugar de moradia, consumo e serviços.
Outra coisa é que a história do Rio de Janeiro está impressa em seu centro. Os prédios e as ruas são um pedaço dela. Reocupá-lo ou dar uma nova destinação também é garantir que essa história não caia no esquecimento.
O carioca está redescobrindo o Centro. Um Centro que tem lazer, tem as rodas de samba nos finais de semana, o mercado na Praça XV, as feirinhas na Rua do Lavradio, as exposições de arte, livrarias. E isso vai se acelerar à medida que as pessoas começarem a morar, porque aí elas vão criar vínculos de novo com essa região da cidade.
Com o avanço de escritórios no Centro, a Barra da Tijuca está perdendo apelo?
A Barra tem uma dinâmica própria. Ela tem uma maneira de se deslocar muito mais focada nos carros, nos condomínios, então desenvolveu uma mecânica, um formato, uma organização própria.
Nesse momento, é uma região mais consolidada. Antes ninguém sabia muito bem o que seria a Barra da Tijuca. Achavam que todas as empresas iam sair do Centro e ir para lá, mas agora a coisa deu uma assentada.
Existem os polos comerciais, existem pessoas que moram na Barra e trabalham na Barra, com excelente qualidade de vida. Existem outras pessoas que moram na Barra e se deslocam para outros espaços da cidade, que optaram por morar em condomínios com determinado tipo de infraestrutura e topam eventualmente fazer um tempo maior de deslocamento.
Eu não vejo mais uma competição tão grande entre a Barra e outras áreas da cidade. Ela já funciona da maneira dela, autônoma.
Qual é a estratégia para escolher os próximos ativos que serão colocados à venda?
Hoje nós temos uma lista com 54 ativos à venda. Alguns são do governo federal, do tempo em que o Rio era capital, e acabam abandonados, como era o caso do edifício A Noite, que era da União. Para o governo, é um problema pequeno. Mas para a cidade, é um problema gigantesco.
Nós analisamos e colocamos os ativos no mercado à medida que alcançamos algum nível de maturidade em relação a eles. Alguns são ativos imobiliários detidos diretamente pelo município. Esses ativos podem ser vendidos via leilão, ou de outras formas, mas nós analisamos isso caso a caso. Óbvio que tem ativos mais líquidos e menores, tem ativos menos líquidos, tem ativos mais complexos.
E tem os ativos que estão dentro do fundo imobiliário que a CCPar, a Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos. Esses ativos, tecnicamente, não são mais públicos por estarem no fundo imobiliário. Em geral, são ativos que precisam de maior desenvolvimento para um processo de alienação ou auferir renda. Não posso abrir quais serão os próximos, porque faz parte de um processo.