Opinião/ O custo de manter o Jardins exclusivo

Os bairros de São Paulo que compõem a região do Jardins – Jardim América, Jardim Europa, Jardim Paulistano e parte do Jardim Paulista – somam 5 quilômetros de áreas tombadas, impedindo a verticalização.
Esse nobre perímetro abriga menos de 10 mil moradores, menos que muitos condomínios-clube de outras regiões – e isso tem um custo não apenas urbanístico, mas também econômico e fiscal.
O Jardins apresenta densidade média estimada em cerca de 1,5 mil habitantes/km², variando entre 600 e 2,9 mil, a depender do recorte, enquanto distritos como Moema e Pinheiros operam próximos a 8–12 mil hab/km².
Se o Jardins tivesse densidade semelhante à de Moema/Pinheiros, abrigaria cerca de 40 mil pessoas adicionais; se adotasse as densidades do Centro histórico, o incremento seria da ordem de cerca 100 mil moradores.
A contradição é direta: estudos recentes mostram que essa região é justamente onde há maior acessibilidade a empregos em até 45 minutos. Ou seja, a área mais estratégica da cidade permanece reservada a uma elite de poucos milhares.
Ao restringir o potencial construtivo, a Prefeitura limita a oferta de moradia. Em mercado com demanda estruturalmente alta — pela proximidade dos maiores polos de emprego — o resultado é previsível: preços entre os mais altos do Brasil, com anúncios pontuais ultrapassando R$ 60 mil/m² em produtos de alto padrão. A escassez regulatória se converte em exclusividade e barreiras de acesso, aprofundando desigualdades.
O argumento contrário mais comum é o de que o trânsito ficaria ainda pior com mais moradores. Mas mais gente perto dos empregos reduz VKT (quilometragem rodada) e deslocamentos forçados, aliviando pressão sistêmica.
Manter baixa densidade em áreas centrais, como os Jardins, na prática apenas exporta congestionamento para o restante da cidade, ao obrigar centenas de milhares a percorrer longas distâncias diárias de carro ou transporte público.
Como destaca Marc Barthélemy em A global take on congestion in urban areas (2016), a relação entre densidade e tráfego não é linear: cidades mais densas, quando bem estruturadas, tendem a reduzir deslocamentos totais e melhorar a eficiência da rede, enquanto áreas de baixa densidade ampliam a dependência do automóvel e agravam o congestionamento metropolitano.
Num município com déficit habitacional e orçamento pressionado, reservar essa localização para tão poucos significa abrir mão de bilhões em valor imobiliário, ISS e IPTU — além de impor à cidade o custo de expandir infraestrutura na periferia, quando os Jardins já dispõem de capacidade instalada (água, energia, vias estruturais, comércio e serviços).
Para liberar potencial construtivo na região, bastariam três ajustes cirúrgicos no Plano Diretor/Zoneamento, acoplados a mecanismos de captura de mais-valias.
O primeiro seria adotar a outorga onerosa do direito de construir (OODC) calibrada por via/categoria, com preço de referência alinhado ao mercado e transparência de estoques. O segundo: ter um envelope morfológico que preserve qualidade urbana: altura x largura de via, fachada ativa, eliminação de mínimo de vagas e incentivos a uso misto em bordas e eixos. E o terceiro: criar contrapartidas obrigatórias, como calçadas padrão, arborização, drenagem, microacessos ao transporte público, redes enterradas e qualificação do espaço público.
O resultado seria um adensamento próximo ao emprego, menor dependência do carro, redução de emissões e incremento fiscal — com parte do ganho cativa para o próprio bairro (melhorando a infraestrutura) e parte para fundos de habitação/infraestrutura metropolitanos.
Numa estimativa conservadora, o incremento populacional seria de 40 mil pessoas. Os domicílios teriam em média 2,2 pessoas (cerca de 18 mil unidades) e a área média por unidade seria de 100 m² (1,8 milhão de m² adicionais). O preço da outorga (médio efetivo) sugerido em R$ 5 mil/m² geraria uma receita potencial de R$ 9 bilhões ao longo da implantação.
Mesmo descontando custos de mitigação e melhorias (calçadas, drenagem, verde, redes, acessos e microintervenções viárias), o saldo fiscal tende a ser amplamente positivo, além do ganho social de aproximar moradia e emprego.
Com uma arrecadação dessa ordem, seria possível inclusive viabilizar uma nova linha de metrô de cerca de 5 km, ligando Pinheiros (Fradique Coutinho) a Moema e cruzando o Jardim Europa, Itaim e Vila Olímpia. Considerando o custo médio de R$ 1 bilhão/km observado nas últimas obras do metrô de São Paulo, o investimento total seria de aproximadamente R$ 5 bilhões.
Esse traçado, inclusive, coincide com a chamada Linha Rosa do metrô, já prevista nos estudos de expansão da malha metroviária de São Paulo.
Além da arrecadação direta, existe a captura de valor intangível. Aumentar a densidade nas áreas centrais eleva a qualidade de vida, ao reduzir o tempo médio de deslocamento entre casa e trabalho. Isso tem reflexo direto na produtividade urbana.
Estudo do Federal Reserve Bank of New York (Productivity and the Density of Human Capital, 2010) demonstra que regiões mais densas concentram capital humano de forma mais eficiente, gerando externalidades positivas que elevam a produtividade média.
Os autores estimam que duplicar a densidade urbana aumenta a produtividade entre 2% e 4%, dependendo da qualidade da infraestrutura de capital humano. Em São Paulo, permitir que mais pessoas vivam próximas a empregos estratégicos não apenas melhora a eficiência dos deslocamentos, mas também eleva o potencial de inovação, networking e geração de riqueza na metrópole.
As evidências mostram que manter a baixa densidade significa reforça desigualdades, exporta congestionamentos e desperdiça receitas fiscais.
A escolha é política, mas os números e a lógica econômica são inequívocos. São Paulo não pode mais se dar ao luxo de manter 5 km² centrais congelados para menos de 10 mil moradores.
Rodrigo Rocha é sócio do grupo OSPA, de desenvolvimento imobiliário e urbano, e do Instituto Cidades Responsivas.