O leilão que pode mudar o entorno da Escadaria Selarón

No Rio, um terreno da Lapa localizado em frente à icônica Escadaria Selarón pode ser a fagulha para destravar o mercado de short stay no entorno do ponto turístico.
A Prefeitura desapropriou uma área de cerca de 9 mil metros quadrados – um dos poucos vazios urbanos remanescentes do Centro – para levá-la a leilão ainda este ano.
Hoje usado como estacionamento, o espaço ainda não tem interessados confirmados, mas a Prefeitura acredita que o lugar tem potencial para um residencial focado em short stay, para investidores que apostam em plataformas como o Airbnb.
Um projeto como esse pode reanimar o entorno ainda visto como inseguro, integrando o espaço à dinâmica turística da Lapa, com fachada ativa, de forma a aproveitar o fluxo de visitantes e devolver à rua o terreno hoje cercado por muros.
“É um imóvel que pode mudar toda uma área, principalmente quando agrega serviços em uma região que já tem vocação residencial,” o secretário de Desenvolvimento Econômico do Rio, Osmar Lima, disse ao Metro Quadrado.
Posicionado de frente para o terceiro ponto turístico mais visitado do Rio, o terreno é cercado de prédios tombados e sobrados antigos – que estão começando a ser desapropriados também.
A Lapa, com pouco menos de meio quilômetro quadrado de extensão, concentra cerca de 15 mil moradores — o que faz dela uma das áreas mais densas do Centro, com mais de 30 mil habitantes por quilômetro quadrado.
“Na Lapa, quase tudo é retrofit. Um lote como esse é especial só por ser um terreno limpo, e certamente vai atrair interesse, dependendo das condições do edital,” disse José de Albuquerque, o CEO da Azo Incorporadora.
O bairro, que não vê um lançamento residencial desde 2016, concentra hoje um estoque limitado de imóveis e um dos metros quadrados mais baratos da área central – entre R$ 9 mil e R$ 14 mil.
Apesar do potencial, o terreno não é unanimidade entre incorporadoras do Rio.
Há quem veja a área com cautela, diante da falta de incentivos equivalentes aos oferecidos para a Zona Sul ou outras regiões do Centro.
“O foco da Prefeitura hoje é a ligação do Porto com São Cristóvão. A Lapa acabou ficando um pouco de lado,” disse Luiz Eduardo Michaeli, sócio da incorporadora e gestora Axor.
Ele avalia que o terreno pode até enfrentar dificuldade de saída no leilão caso as condições não sejam competitivas, já que o volume de unidades e o esforço de venda exigido podem afastar incorporadoras menores que são realmente focadas na região.
“O short stay é o que realmente faz sentido ali. O entorno é vibrante, muito turístico, e o estrangeiro enxerga valor nisso. É um produto de investimento natural,” disse Michaeli.
A Lapa nasceu em meados do século XVIII, com a construção da Igreja de Nossa Senhora da Lapa do Desterro, em 1751, quando ganhou também os Arcos da Carioca, hoje conhecidos como Arcos da Lapa.
Ao longo do tempo, muitos casarões elegantes cederam lugar a cortiços, pensões e habitações populares, enquanto a Lapa se afirmava como reduto boêmio e cultural do Rio, palco para músicos, cronistas e intelectuais.
Foi no início da fase inferninho da Lapa que o bairro passou a ter Cármen Miranda entre seus moradores, dos seis aos 16 anos, segundo o seu biógrafo, o jornalista Ruy Castro, que diz que as duas facetas do bairro – o lado careta da influência católica e a agitação noturna – ajudaram a formar a personalidade da cantora.
“O que se observa agora na Lapa é uma tentativa concreta de reverter o cenário de abandono,” disse Leonardo Schneider, o vice-presidente do Secovi-Rio. “É essencial garantir que essa revitalização tenha continuidade, seja sustentável e respeite o contexto urbano.”
O arquiteto e urbanista Fernando Costa, que já elaborou alguns projetos para o terreno da Teotônio, acredita que o empreendimento pode redefinir a relação da Lapa com o espaço público — especialmente em um ponto que há décadas se manteve fechado por muros.
Para ele, mais do que erguer um novo edifício, o desafio é reabrir a rua para a cidade, recuperando o sentido de convivência que sempre fez parte da identidade do bairro.
“O espaço precisa voltar a ser vivido. A minha proposta é que o pedaço do terreno na frente da Selarón tenha uma praça pública, criando uma conexão direta com a escadaria,” disse. “Qualquer projeto que respeite o entorno e traga vida para a rua já será infinitamente melhor.”