Opinião/ Paralelepípedo é vida. Asfaltar essas ruas é pedir encrenca

Fui criado em uma comprida rua de paralelepípedos na cidade de São Paulo.
Moema era um bairro repleto de pedras lapidadas artesanalmente, com diferentes cores e texturas, que chamavam a minha atenção na infância principalmente pelas plantinhas que brotavam abundantemente nos trechos menos trafegados, como vagas de estacionamento.
Com o passar dos anos lembro de grandes pedaços da rua serem asfaltados em retângulos e quadrados pretos sobre o granito, formando um feio mosaico, até as pedras sumirem totalmente sem deixar vestígios.
Minha mãe dizia que era modernidade.
Hoje, raríssimas são as ruas que sobraram do material natural instalado em meados do século passado. Para muitos gestores públicos, ruas de pedra significam atraso, e o asfalto, uma redenção e mais votos. Mas isso não deveria ser assim, e é um grande erro.
Paralelepípedos estão dentro de um termo muito em voga atualmente, a biofilia, a afinidade que sentimos por elementos naturais, como pedras e plantas, e que resulta em bem-estar psicológico em tempos tão estressantes e virtuais.
Além disso, ruas assim têm maior permeabilidade do que o asfalto, e se bem preparadas e mantidas podem absorver a água da chuva e alimentar o lençol freático, beneficiando as árvores urbanas adjacentes, o que contribui para a diminuição de enchentes, algo tão importante em tempo de eventos climáticos extremos.
Sua coloração mais clara que a massa asfáltica também diminui o fenômeno das ilhas de calor, refletindo os raios solares, e não os absorvendo. Há também um importante espaço para a vegetação, que teima em crescer nas suas frestas alimentadas por toda a sorte de resíduos, que podem servir de adubo.
O resultado em ruas de bairro é a aparência de um agradável e funcional gramado na rua composto por dezenas de espécies diferentes, trazendo biodiversidade, umidade no ar, retenção de poeira e filtragem de gases tóxicos, entre muitos outros benefícios.
Para muitos motoristas são ruas que danificam o carro, escorregam pneus em chuvas, fazem barulho. Mas também diminuem a velocidade do tráfego e reduzem atropelamentos e acidentes.
Na verdade, grande parte dessas reclamações pode ser sanada com treinamento de equipes de manutenção desses tipos de ruas, e a criação de soluções simples, como riscar ranhuras em pedras lisas com equipamentos apropriados. Basta vontade política.
E claro, ninguém aqui está propondo que avenidas de tráfego intenso sejam pavimentadas com o material, mas sim as ruas de bairros, que são a maior parte de uma cidade. Essas nunca devem ser asfaltadas.
Mas apesar desses benefícios, o que vimos nas últimas décadas são inúmeras gestões municipais asfaltando a todo o vapor as ruas de pedra construídas por nossos avós e que poderiam nos ajudar tanto nos atuais desafios ambientais das cidades brasileiras.
E o mais engraçado é que possivelmente quando esses gestores viajam para a Europa e andam nas ruas de Paris, se admiram com a beleza de seu calçamento bem cuidado de paralelepípedos.
Ricardo Cardim é botânico e paisagista.