Opinião/ Os perigos da nova ofensiva da Sefaz-SP ao mercado imobiliário

Os perigos da nova ofensiva da Sefaz-SP ao mercado imobiliário
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Uma recente interpretação da Sefaz-SP trouxe preocupação para empresas e profissionais que atuam com operações imobiliárias e societárias.

O entendimento – expressado na Resposta à Consulta Tributária nº 31.158/2025 – trata de permutas entre imóveis urbanos em que um vale mais que o outro e são feitas sem pagamento de “torna” ou compensação financeira, determinando que a diferença de valor entre os ativos configura doação, e portanto sujeita ao Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

A posição do Fisco paulista não merece prosperar porque desvirtua a natureza dos contratos.

A permuta, nos termos do artigo 533 do Código Civil, é um contrato bilateral, oneroso e comutativo, no qual as partes, por autonomia privada, reconhecem equivalência entre os bens trocados, enquanto a doação, definida pelo artigo 538 do mesmo diploma, é definida pela liberalidade e exige a intenção de doar.

Esse elemento subjetivo da intenção de doar não pode ser presumido e, consequentemente, não pode ser empregado.

Além disso, o Projeto de Lei Complementar 108/2024 (PLP 108/2024) traz que o Fisco pode entender pela obrigatoriedade do recolhimento do ITCMD apenas se houver alguma simulação de onerosidade na operação.

Esta disposição deixa claro que a simples diferença quanto ao valor dos bens permutados não é suficiente para tratar a operação como gratuita, gerando a incidência do imposto, como pretendido pelo Sefaz.

 Essa ofensiva fiscal não é inédita. Ela parece ter inspiração na longa batalha travada pelos contribuintes contra os municípios a respeito da base de cálculo do ITBI, o imposto municipal sobre transmissão onerosa de propriedade imóvel.

 Nessa discussão, os Fiscos municipais tentam impor seus “valores de referência” como parâmetro para a cobrança do ITBI, muitas vezes em detrimento do valor real da transação. A controvérsia foi definitivamente pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no julgamento do Tema Repetitivo 1.113 (REsp 1.937.821/SP), cuja decisão foi posteriormente chancelada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

 O precedente é paradigmático. O STJ não apenas definiu que a base de cálculo do ITBI é o valor da transação, mas também consagrou a presunção de boa-fé do contribuinte, afirmando que o valor declarado só pode ser afastado pelo Fisco mediante a instauração de processo administrativo próprio de arbitramento (art. 148 do CTN). A Corte vedou, de forma expressa, a adoção de valores de referência unilaterais.

 A gravidade da nova interpretação da Sefaz-SP está no aumento do alcance de sua pretensão. Enquanto na discussão sobre o ITBI a Fazenda limitava-se a tentar ampliar a base de cálculo do imposto incidente nas transmissões onerosas, agora a iniciativa vai além.

A proposta é redefinir a própria natureza jurídica do contrato, de modo a fabricar, de forma artificial, a ocorrência do fato gerador de um tributo diverso — transformando uma operação onerosa em um ato de liberalidade, que poderia ser enquadrado como sujeito à incidência do ITCMD.

 Esse entendimento, se mantido, pode abrir espaço para que o Fisco estadual questione diversas operações patrimoniais — de reorganizações societárias a negócios comerciais complexos — sempre que identificar discrepância entre valores de referência e os efetivamente praticados pelas partes.

 Beatriz Bueno de Moraes Gomes de Sá é consultora da Levy & Salomão Advogados. Felipe Kneipp Salomon é sócio no mesmo escritório.

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