Entrevista/ “Plano Diretor tem que evitar ideias brilhantes que não funcionam,” diz secretária

A última oferta de CEPACs que a Prefeitura prepara para a Faria Lima deve ser feita em etapas, a secretária de Urbanismo e Licenciamento de São Paulo, Elisabete França, disse ao Metro Quadrado.
Segundo ela, a expectativa é que o primeiro lote – esperado por enquanto para agosto – tenha entre 160 mil e 170 mil certificados, de um total de 218,5 mil previstos no prospecto enviado à CVM em maio.
“Pode ser que ainda sobrem demandas específicas, então é sempre bom ter um pouco guardado,” ela disse.
Outro leilão muito esperado pelo mercado – o do PIU da Vila Leopoldina – deve ocorrer em outubro, ela disse, mas possivelmente sem a participação da Votorantim, que já havia manifestado interesse.
Segundo ela, a empresa enviou uma carta dizendo que não teria interesse em participar caso a questão do usucapião das comunidades não seja retirada.
“Pode ter a Votorantim ou pode ter outra empresa: o mundo gira e a área lá é boa.”
Arquiteta e professora da FAAP, França está à frente da secretaria há um ano e diz que já está fazendo estudos para o próximo Plano Diretor, previsto para 2029.
O objetivo dela é evitar “ideias brilhantes que na realidade não funcionam”, numa crítica ao plano atual, que ela diz que tem “alguns aspectos utópicos.”
Na entrevista, a secretária também falou sobre prazos de aprovação, Largo da Batata, Ceagesp, Jockey Club e Minhocão. A seguir, os principais trechos:
O prospecto do leilão de CEPACs para a Faria Lima não terá reajuste pela inflação. Isso foi um esforço para não assustar o investidor?
Fizemos um estudo de viabilidade financeira e econômica e a recomendação era manter o mesmo valor do último leilão, que já era bastante alto. Se baixássemos, poderia ser algo questionado. Como queremos viabilizar rapidamente, a indicação é continuar com o mesmo valor. Se tiver o sucesso esperado, será uma arrecadação bem significativa.
E existe a possibilidade de fasear o leilão?
A ideia é fasear. A SP Urbanismo está trabalhando agora com uma primeira leva entre 160 mil e 170 mil certificados.
Vai fasear mesmo que tenha muita demanda?
A ideia não é fazer tudo agora, mesmo que tenha que fechar um pouco. E pode ser que ainda sobrem demandas específicas, então é sempre bom ter um pouco guardado.
Com os empreendimentos que devem ser feitos após esse novo leilão, a Faria Lima pode exigir algum tipo de investimento em infraestrutura?
Há coisas que temos que cumprir do antigo leilão, como o Boulevard JK, que vai ser mais ou menos à semelhança do Boulevard da Santo Amaro. Está prevista uma passagem de nível entre a Faria Lima e a JK, com recurso que já está em caixa, e temos a conexão da Faria Lima com a Bandeirantes.
Há algum plano de revitalização do Largo da Batata depois que a parceria com a Ruffles não deu certo?
No prospecto que enviamos, já existe a previsão de R$ 250 milhões, um investimento grande que inclui primeiro a finalização da infraestrutura que porventura não tenha sido finalizada. Tem aumento de fios, calçadas refeitas e mais espaços públicos. Queremos que o Largo da Batata ganhe a riqueza que ele merece ter. Nós sabemos que ele precisa virar um espaço público que hoje não é. E não vai precisar da Ruffles.
Há previsão para esse investimento ser executado?
Primeiro temos que receber o dinheiro. Mas há também uma expectativa de doação, de uma manifestação de interesse de uma empresa, o fundo da Jacarandá. E a SP Urbanismo vai transformar isso em uma espécie de edital público para ver se mais alguém quer doar para o projeto. Com a doação, devemos ter uma grande agilidade.
A Prefeitura quer desativar o Minhocão e já falou em transformá-lo em bolsões de estacionamento. Qual é hoje o cenário mais provável para o Minhocão?
Nós temos como responsabilidade, pela lei, implantar o Boulevard Marquês de São Vicente, que é a conexão leste que vai permitir que o trânsito que hoje é feito pelo Minhocão seja feito pela Marquês de São Vicente. A SP Urbanismo está desenvolvendo o projeto preliminar e a SP Obras já está fazendo a planta necessária de desapropriações.
Mas e o Minhocão em si?
O Minhocão é um debate que temos que fazer com a sociedade. Tem várias pessoas que são contra demolir, que acham que o Minhocão é uma coisa bacana, que você vai lá sábado e domingo para correr no asfalto. Mas eu particularmente acho que tem que fazer a demolição, porque essas estruturas destroem a cidade, cobrem a cidade e deixam sem luz embaixo. O projeto piloto quer evitar essa ocupação que tem lá. E aquele bairro pode ter uma valorização enorme para o setor imobiliário.
Como estão os projetos da Prefeitura para o Centro?
Nós temos aqui o PIU Central e a Lei Requalifica Centro, com 23 projetos aprovados e cerca de 33 em análise, que são retrofits. E temos um projeto que se chama Subvenção, que subsidia parte das obras do âmbito do Requalifica. Então, se você quiser fazer HIS, por exemplo, pode ter 25% da obra paga por esse programa. O Copan, por exemplo, já entrou uma vez no Subvenção, mas precisava da concordância de todos os 3 mil condôminos, então era difícil. Agora já mudou para o síndico aprovar, então deve entrar dessa vez. No total, a subvenção pode chegar a R$ 1 bilhão. E além disso já aprovamos 32 mil unidades habitacionais no Centro: tem muito Minha Casa Minha Vida, HIS 2 e HMP, mas não tem HIS 1. A Prefeitura tem também o Pode Entrar Reforma, no âmbito da Secretaria de Habitação, para prédios no Centro. Achamos que eles podem receber subvenção, mas em termos jurídicos fica a dúvida se pode receber dupla subvenção.
O que você acha que deveria ser feito?
Se queremos que o Centro esteja cada vez mais habitado, não vejo problema. Mas essa é minha visão como arquiteta.
E qual a expectativa da Prefeitura para o Centro com a mudança da sede do governo do estado para lá?
Com a implantação da sede administrativa do governo, que deve ocorrer no ano que vem, serão 20 mil funcionários indo para o centro. Existe a possibilidade enorme dessas pessoas quererem morar na região central. Nós temos um grupo de trabalho com o governo e conversamos muito sobre essa questão da construção habitacional que a região central vai precisar, porque eles estão dentro do PIU Central também.
Como garantir que o PIU Central não gere elitização e remoções, com pouca transparência – críticas que outras operações já receberam?
Há conselho gestor para isso e todo mundo participa. Há muito essa discussão de “ah vai gentrificar com a nova lei”, mas o grande momento da região central vai ser a mudança da sede administrativa do estado, e o governo vai atender 800 famílias que moram nos cortiços, e também está trabalhando com a Favela do Moinho. Essas pessoas podem optar por morar no Centro ou ir para outros lugares que estão sendo oferecidos.
Mas e da parte da Prefeitura?
Não vejo que estamos promovendo gentrificação na região central. E temos que entender que existem públicos específicos para regiões. Quem mora na Vila Olímpia não está interessado em morar no Centro, porque construiu família e uma vida lá, além de querer uma grande área de lazer e mais segurança. As pessoas têm em mente, principalmente no mundo acadêmico – e falo isso porque sou professora – que queremos esse público no Centro, mas eles não têm interesse. O público do Centro é de média e baixa renda. Muitos jornalistas e acadêmicos acham o centro feio, horroroso, porque tem pobre. Mas o público do Centro não vai ao shopping, não veste grife. O máximo que o rico quer no Centro é ir comer lá no Dona Onça.
Com o Plano Diretor, houve uma proliferação de estúdios nas áreas mais centrais, que estão tendo suas finalidades desvirtuadas. Isso pode ser revisto?
Nós lançamos agora um decreto que limita o valor de venda dos estúdios, para evitar essas fraudes. O problema é que o Plano Diretor de 2014 e a Lei de 2016 têm alguns aspectos que são meio utópicos. O ZEU, que é morar perto do transporte, é bacana, mas achar que vai ter HIS com o valor do terreno lá de Rebouças, desculpa, é um sonho de uma noite de verão. E algumas pessoas desvirtuaram a legislação e começaram a vender estúdios com projetos aprovados como HIS. É o que estamos investigando, com alguns já multados.
Outro problema do Plano Diretor são as fachadas ativas, que acabam sendo mal feitas e tirando o comércio local. Há algo a ser feito sobre isso?
A culpa disso não é da Prefeitura, mas sim do Plano Diretor de 2014, que disse que a construtora que fizer a fachada ativa com a Lei de 2016 terá vantagens construtivas. Mas a vida não funciona assim. O comerciante não vai para essa fachada ativa por conta do valor, mas nós também não perguntamos para o mercado de fachada ativa se tem comércio para ocupar essas lojas. Sabe a lei com boas intenções que não funciona como a lei há de funcionar? O comércio pequeno não está usando, e tem as grandes redes que se reproduzem à exaustão. Nós estamos fazendo alguns estudos para ver como isso pode ser melhorado, para o Plano Diretor de 2029. Nós temos dois anos para fazer monitoramento e avaliação de resultados, para evitar ideias brilhantes que na realidade não funcionam.
E como a Prefeitura vê hoje a questão do Jockey Club?
Anteriormente houve estudos do mercado, mas o Jockey virou ZEPAM, está na lei. Não só isso: 90% do Jockey é tombado. Eles têm que manter as estruturas, manter a grama onde os cavalinhos correm, tudo. Eles têm os problema deles, porque não pagam as dívidas. Tem que ter encontro de contas e isso está em estudo. Mas seria bacana um parque ali.
Sobre a Vila Leopoldina, há alguma previsão de quando será a implementação do PIU?
O estudo de viabilidade do PIU está andando, mas tem problemas porque o PIU foi uma manifestação de interesse da Votorantim, que ganha potencial construtivo em troca de melhoramento viário e do atendimento a 827 famílias das comunidades no entorno. Já apresentamos a primeira fase na última reunião, e acreditamos que esse estudo vai acabar em outubro, e aí o leilão poderá ser feito. Um primeiro estudo foi apresentado para a comunidade, mas eles não gostaram. São 6 mil metros quadrados para construir 800 e poucas unidades. E antes de eu chegar aqui, surgiu um problema: uma parte da população da Favela da Linha ganhou o direito de usucapião, então numa última reunião nós apresentamos que vamos desapropriar a área porque a área é deles, recebendo a parcela pelo usucapião. E como é uma desapropriação para o melhoramento viário, eles têm direito também a serem atendidos nas 800 e poucas unidades.
E a Votorantim continua interessada?
A Votorantim enviou uma carta para nós, dizendo que, para eles continuarem a ter interesse, nós tínhamos que retirar a questão do usucapião. Há um processo no Ministério Público e não temos gestão sobre isso. Então a Votorantim disse que não tinha mais interesse. Mas o leilão é público: pode ter a Votorantim ou pode ter outra empresa. O mundo gira. A área lá é boa.
Existe chance de o leilão acontecer ainda esse ano?
Vai ser nesse ano, no segundo semestre, em meados de outubro. Mas pode ser que o leilão tenha ou não interesse. É um exercício de futurologia.
E há algum plano para o Ceagesp?
O governo federal tinha anteriormente o plano de desativação, mas acho que não é a ideia do governo atual. Que eu saiba, hoje não há nada. E não estamos participando de nenhuma discussão.
Há uma queixa antiga do mercado referente aos prazos de aprovação. Existe algum tipo de esforço para acelerar os prazos?
É a minha queixa também. Hoje, nós temos cerca de 100 mil processos. A subprefeitura antes analisava os casos de pequeno porte, e isso agora veio para cá. Queremos organizar isso e estamos levantando aqui tudo que pode ser autorregulamentado. Existe uma certa cultura das pessoas serem contra a autorregulamentação. Mas há bobagens como tapume e stand de vendas e estamos preparando uma portaria para esses pequenos casos. Nós também estamos estudando o Requalifica, porque o Requalifica é reforma, e o prédio já está lá pronto. Teoricamente, o responsável técnico é responsável. Começamos também com algumas atitudes antipáticas que o mercado reclama muito, como fazer o atendimento online. E estamos estudando também as experiências de outras cidades que aprovam muito rápido.
Que cidades são referências?
Fortaleza, Curitiba, Rio de Janeiro, que são casos de sucesso. Internacionais também, como Londres e Cingapura. Não tem sentido um hospital demorar um ano para ser aprovado. É uma grande preocupação nossa tentar, pelo menos, diminuir em 50% nos próximos anos. Nós também estamos fazendo mutirões de demolição. Eu me sinto mal com as demoras. Nós fazemos 3 mil por mês e entra mais 3 mil. É um saco sem fundo.