Projeto de Tarcísio para mudar sede de SP levanta dúvidas no mercado

O governo de São Paulo avançou com o plano de tirar sua sede do Palácio dos Bandeirantes e levá-la de volta ao Centro ao publicar o edital que convoca investidores candidatos a tocar o projeto.
A iniciativa, porém, ainda levanta dúvidas no mercado, em especial no que diz respeito à viabilidade financeira.
O investimento estimado é de R$ 5,4 bilhões e o vencedor da concessão será responsável pela implantação, gestão, manutenção e operação do complexo por 30 anos, no modelo de PPP.
O projeto também prevê a criação de 25 mil metros quadrados de uma área comercial integrada.
Fundos imobiliários e de infraestrutura, grandes bancos e firmas internacionais já estão fazendo contas para avaliar o retorno, mas alguns players relevantes já optaram por não participar.
São os casos de Brookfield Properties e BTG Pactual, que avaliam que a taxa de retorno será baixa, segundo fontes ouvidas pelo Metro Quadrado.
“Ainda há muita dúvida sobre quem teria fôlego para um investimento desse porte, especialmente diante do custo de alavancagem e do retorno incerto,” disse um executivo.
Entre advogados especializados em real estate que costumam ser procurados para avaliar projetos como este, a percepção é de que a concessão ainda não brilha os olhos do mercado.
Um dos fatores que travam o interesse é a possibilidade de um projeto ligado ao setor público trazer mais dores de cabeça do que ganhos.
“Os governos em geral costumam ter pouco um olhar de real estate e mais de serviços públicos,” disse um advogado.
O currículo de Tarcísio de Freitas, no entanto, é visto como um sinal positivo. Por ter sido ministro da Infraestrutura e secretário do PPI, parte do mercado entende que o governador não colocaria um edital na rua se não tivesse certeza de que haveria interessados.
Além disso, a mudança de sede é tratada como o grande projeto de Tarcísio na sua gestão. Com o mote de requalificar o Centro de São Paulo, ele tem se engajado nas redes sociais com vídeos e vem dialogando ativamente com o mercado.
O governador estabeleceu que as propostas devem ser enviadas até o dia 6 de outubro, e a expectativa é que o vencedor seja anunciado no mesmo mês.
Com o investidor doméstico ainda sem demonstrar entusiasmo, abre-se espaço para investidores estrangeiros.
Alguns fundos britânicos já chegaram a procurar consultorias locais para entender o projeto. A principal preocupação é a falta de clareza nas metas de sustentabilidade.
Para Philip Yang, urbanista e fundador da consultoria Urben, o texto publicado pelo governo tem lacunas que podem afastar o capital internacional — especialmente fundos voltados à requalificação ambiental urbana.
O edital exige certificação LEED Gold e prevê soluções de eficiência energética, térmica e ambiental, mas não detalha metas objetivas — o que pode ser um entrave para fundos com teses mais rigorosas de impacto.
“Os fundos estão atentos a planos de transição para cidades com menor impacto de carbono,” diz Yang. “Qual a segurança jurídica e a qualidade das garantias que o governo oferecerá? O projeto precisa responder a essas questões para atrair o interesse do capital internacional.”
Outro ponto sensível está nos riscos jurídicos. Executivos do setor apontam incertezas em relação ao processo de desapropriação previsto no projeto — o que pode pesar nas análises de viabilidade.
Trata-se de um desafio similar ao que a Prefeitura de São Paulo está tendo com o PIU da Vila Leopoldina, sem ainda ter encontrado um investidor que tope pagar as famílias pelas casas que conquistaram pelo usucapião.
Se confirmado, o projeto de Tarcísio tem potencial para se tornar a maior empreitada de realocação de uma sede de um Executivo desde a inauguração de Brasília.
A expectativa é que o espaço concentre os mais de 22 mil servidores públicos hoje espalhados por mais de 40 prédios na cidade – o que pode gerar demanda para moradia na região central, criando oportunidades para incorporadoras.
Valter Caldana, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie, diz que residências voltadas ao funcionalismo podem ser a âncora da requalificação, mas o tema ainda carece de clareza.
“Os mecanismos de desapropriação da terra e de concessões urbanas não estão claros. Isso pode ser um grave impeditivo. Porque a propriedade da terra é o ponto de partida de qualquer discussão urbanística numa cidade capitalista, dispersa e rodoviarista como São Paulo,” diz Caldana.
Ele também alerta para a valorização do solo e dos imóveis já existentes no entorno do novo centro administrativo. Segundo ele, o poder público precisa criar instrumentos para capturar essa valorização — como a outorga onerosa — garantindo que parte dos empreendimentos seja destinada à habitação social.
“É preciso assegurar a diversidade de público na região, para evitar que o bairro se transforme num reduto exclusivo de moradia de médio e alto padrão. A palavra-chave precisa ser ‘diversidade’,” diz.
Uma possível saída está no investimento em retrofit — especialmente em prédios públicos ociosos e imóveis em vacância.
Dados do Censo de 2022 indicam que São Paulo tem uma taxa de vacância de 12%, o equivalente a mais de 580 mil imóveis desocupados.
Em 2024, o governo estadual realizou uma consulta pública para um projeto de concessão de 6 mil moradias — entre greenfields e retrofits. O investimento estimado era de R$ 2,4 bilhões, com uma contrapartida de R$ 600 milhões dos cofres públicos. O projeto empacou.
“Seria muito importante que esses dois editais andassem juntos — tanto a transferência do Palácio dos Bandeirantes quanto a transformação habitacional,” diz Yang.
Sem uma política específica de fomento ao retrofit na região central, o mercado tem se antecipado com projetos próprios.
O arquiteto e fundador da Planta, Guil Blanche, é um dos nomes mais ativos no segmento. Em 2024, a Planta fechou negócio com a Brookfield Asset Management para a venda de cinco edifícios multifamily retrofitados no Centro. Hoje, o portfólio da empresa soma 10 imóveis na região.
Segundo Blanche, mesmo sem tratar diretamente da moradia, o projeto de mudança de sede já vinha movimentando o setor antes mesmo da publicação do edital e trouxe novos players à equação dos retrofits.
Um levantamento da Planta aponta que a região central tem potencial para retrofitar 1 milhão de m² em imóveis residenciais. “O Centro é muito rico em oportunidades para o desenvolvimento imobiliário de brownfields, com antigos prédios comerciais que podem ser transformados em residenciais,” diz.
Para ele, a sustentabilidade urbanística do projeto de requalificação do Centro só se manterá de pé se houver mecanismos públicos para qualificar a oferta habitacional no entorno.
“É absolutamente impossível dar conta do impacto que essa nova sede administrativa terá sem uma intervenção direta do governo na questão da moradia. A oferta de trabalho e de moradia precisam andar juntas,” diz.