A disputa jurídica – e as narrativas – por trás da venda do ‘Marininha’

A disputa jurídica – e as narrativas – por trás da venda do ‘Marininha’
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Um tradicional hotel cinco estrelas da orla do Leblon está no centro de uma disputa entre três empresas que foi parar na Justiça e envolve questões familiares.

O triângulo, nada amoroso, está brigando pelo Hotel Janeiro – antigo Marina All Suites, também conhecido como Marininha.

Em uma das pontas, a empresa que é dona da marca hoteleira e arrenda o prédio para operar seu negócio diz que foi passada para trás quando o proprietário do imóvel vendeu o ativo para um terceiro – o que resultaria no seu despejo.

Quem está sentindo a dor de cotovelo é a Samurai, empresa de serviços hoteleiros que pertence a Carlos Werneck e Oskar Metsavaht, o criador da Osklen.

Eles dizem que por contrato teriam o direito de preferência para fazer a compra. Mas em vez de terem sido procurados quando o imóvel foi colocado à venda, souberam por outros quando o negócio foi fechado, em setembro.

Até uma semana antes, a gente estava numa revisão de contrato, negociando com um advogado deles, que não estava respondendo nossos e-mails,” o CEO da Samurai, Felipe Médici, disse ao Metro Quadrado.

Já na segunda ponta, a de quem vendeu, a Arezo (com um z só), da família Magalhães, diz que a Samurai perdeu seu direito de preferência quando recusou um reajuste no arrendamento e continuou pagando o valor antigo. Pela diferença do que estava deixando de pagar, a inadimplência seria de mais de R$ 1 milhão.

E na terceira ponta está quem comprou, a gestora Sod Capital, de Wilson Borges, que pagou R$ 110 milhões pelo imóvel e diz que não estava sabendo de nenhum direito de preferência quando fez a aquisição.

A Sod, porém, não ficou quieta assistindo à briga, e já está se mexendo para tirar o hotel das mãos da Samurai, que continua ocupando e operando o ativo.

A gestora entrou com uma ação na Justiça para despejar a Samurai do imóvel, pedindo a extinção do contrato de arrendamento, que vai até 2043.

A Sod usa como argumento o período em que a Samurai ficou sem pagar o valor reajustado. O contrato prevê a rescisão automática em caso de inadimplência de 90 dias. Os três meses pagando o valor antigo foram completados no fim de outubro.

A Samurai, além de se agarrar ao contrato ainda vigente, diz que investiu R$ 40 milhões em melhorias no prédio acreditando que em algum momento teria a oportunidade de comprá-lo.

“Assim fica muito fácil para eles. A gente bota o dinheiro na frente, daqui a dois anos ele quer vender o prédio, vende sem falar nada, e a gente perde R$40 milhões,” o CEO disse.

O imbróglio em torno do antigo Marininha é mais um sinal de que o setor hoteleiro do Rio, cidade mais turística do País, enfrenta uma maré de azar.

O próprio irmão mais velho do Marininha, o hotel Marina, conhecido como Marinão, está fechado desde 2017. O Cesar Park, comprado pelo BTG no ano passado, estava com obras paralisadas desde 2019. E o Praia Ipanema Hotel encerrou suas atividades depois da venda para a Gafisa em 2023.

No caso da disputa pelo Marininha, também se esconde uma questão de família, segundo uma fonte a par das discussões.

No passado, o Marininha pertenceu a um empresário chamado Luiz Cezar Motta Magalhães. Depois que morreu, os filhos assumiram, mas uma negociação teria sido feita entre eles.

A filha, Renata, teria deixado os dois irmãos – Eduardo Magalhães e Luiz Cezar Junior – serem sócios sozinhos do ativo, como donos da Arezo, se o arrendamento fosse feito para a Samurai, do seu então marido, Carlos Werneck.

Sendo o operador de um imóvel que pertencia à família da sua agora ex-mulher (eles estão separados desde 2016), Werneck podia fazer o que quisesse, disse essa fonte.

E por isso ele teria ficado incomodado ao ver o ativo sair das mãos dos seus ex-cunhados, duas pessoas sem tanto conhecimento do mercado hoteleiro, para uma empresa especialista no setor.

Já Werneck diz que essa versão não faz sentido porque Luiz Cezar morreu em 1997, enquanto o contrato do Marininha foi assinado 16 anos depois, em 2013. 

Depois da morte do então sogro, Werneck e os três irmãos Magalhães foram sócios no Marinão e no Marininha, até que o Marinão foi vendido em 2013, e Eduardo e Luiz Cezar Junior quiseram ficar com o Marininha, um com 76% e outro com 24%. A Arezo foi criada para administrá-lo.

Em sua defesa, Werneck ainda levanta outro fato que causou estranhamento: um dos irmãos, Eduardo, assinou a venda do prédio, no ano passado, duas horas depois de deixar a prisão, onde estava detido por acusações de violência doméstica e foi solto após chegar a um acordo com a mulher.

“Isso é choro de perdedor. Esses caras tinham o hotel para si. Eles estavam dando um 7×1 nos irmãos, por isso havia um grande interesse de venda da parte deles,” disse uma fonte ligada à Sod.

“O arrendamento que eles estavam pagando era completamente defasado e não fazia nenhum sentido em termos de preço para o endereço que tem o hotel.”

No ano passado, o valor do arrendamento foi elevado pela Arezo de R$ 300 mil para R$ 517,5 mil por mês, recorrendo à cláusula do contrato que prevê a possibilidade de reajuste a cada quatro anos.

Para a Samurai, porém, a premissa para o reajuste não foi correta, pois considerou que a taxa de ocupação futura do hotel seria de 75% todos os anos, levando em conta a diária média e a inflação, enquanto a maior ocupação da história do Janeiro foi de 69%, em 2023. 

“Mesmo assim, continuamos pagando religiosamente o aluguel no valor original enquanto a gente não conseguia chegar num acordo sobre o valor futuro,” disse o CEO da Samurai.

Para o CEO, até mesmo a divulgação de que um grupo alemão estaria interessado em arrendar o prédio por R$ 1,5 milhão é estratégia. Ele disse que uma operação de 50 quartos com a diária média do Janeiro, que já seria uma das maiores do Rio, “não para em pé” com um arrendamento nesse valor. 

“Isso faz parte de uma ameaça para que a gente repense o nosso direito de preferência,” disse.

No momento, as três partes esperam a Justiça decidir se a Samurai está certa ou não ao exigir o seu direito de preferência.

No processo, a Samurai depositou em juízo os valores que faltam para o pagamento do arrendamento reajustado, até que o caso tenha um desfecho.

Enquanto aguarda uma definição, a Sod pediu à Samurai para não fazer mudanças no imóvel e voltar a usar a marca Marina All Suites.

O empreendimento continua sendo anunciado como Janeiro.

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