Opinião/ O que falta para o Brasil virar um hub de data centers

O Brasil tem potencial para se tornar um dos maiores hubs de data centers no mundo.
Faço tal afirmação sem medo de parecer ambicioso, mas com a ciência de que, para alcançarmos esse status, teremos que superar algumas barreiras de entrada estruturais, como a escassez de capital, a baixa maturidade técnica do setor e a limitada oferta de talentos especializados.
O mercado de data centers hoje é claramente dividido em dois segmentos: o tradicional, voltado para empresas que contratam espaço em racks — geralmente em menor escala — e o dos hyperscalers, composto por grandes provedores globais de nuvem.
Na minha opinião, é neste segundo que se concentram as oportunidades. É ali que se materializa a transformação digital da nossa economia: do uso massivo de aplicativos no dia a dia à migração de sistemas corporativos para a nuvem, passando pela integração crescente de componentes de inteligência artificial nos processos e produtos das empresas.
Estamos diante, portanto, de um potencial impressionante. Em 2022, a demanda contratada de data centers no Brasil era de aproximadamente 400 megawatts, com projeções apontando para 2,8 gigawatts até 2032 — um crescimento de sete vezes em apenas uma década, segundo estimativas internas da Arch Capital com base em análises de mercado e projeções de demanda dos principais hyperscalers.
Em paralelo, dados da consultoria CBRE mostram que o mercado latino-americano de data centers chegou a 877 megawatts de estoque total em 2025, uma alta de 7,7% em relação a 2024. A previsão é de que a região entregue mais 340 MW até o fim do ano, registrando a segunda maior expansão da série histórica, atrás apenas de 2021.
E isso se refere apenas ao horizonte regional e de curto prazo. No cenário global, as projeções são ainda mais ambiciosas. Segundo a McKinsey, a demanda por capacidade de data centers pode crescer a uma taxa anual de 19% a 22% até 2030, chegando a 171 a 219 gigawatts.
É nessa corrida que o nosso País se insere.
Do ponto de vista de demanda e de atratividade, eu diria que o Brasil já está muito bem colocado. Afinal, somos a maior economia da América Latina, com uma população altamente digitalizada, cobertura 5G em expansão e crescente penetração de serviços em nuvem.
Além disso, temos localização estratégica e conexões internacionais de fibra óptica que nos tornam aptos a desempenhar um papel relevante até mesmo na exportação de serviços digitais, especialmente na fatia da demanda global que não depende de latência.
O grande desafio se dá justamente na parte da oferta.
Ao longo da última década, nós nunca conseguimos atender a demanda na velocidade e na escala exigidas pelo mercado. Em 2022, por exemplo, estima-se que quase metade da capacidade contratada por empresas no Brasil tenha sido alocada em outros países devido à indisponibilidade de infraestrutura adequada por aqui.
Isso representa não apenas perda de receita, mas um risco estratégico para a competitividade da nossa economia digital.
Essa limitação está ancorada em três barreiras centrais: capital, engenharia e profissionais qualificados.
Construir infraestrutura de data center em escala exige investimentos pesados e de longo prazo, e o fato é que o Brasil ainda carece de instrumentos financeiros estruturados para financiar esse tipo de ativo crítico, apesar da existência de contratos de longo prazo, em dólar, com players globais. A consequência é uma escassez de funding para projetos greenfield no setor.
Uma segunda barreira de entrada diz respeito às empresas com capacidade de desenvolver ativos greenfield. Trata-se da habilidade de começar um projeto do zero: desde a escolha do terreno com viabilidade energética e conectividade, passando pelo licenciamento, até o desenvolvimento de uma infraestrutura customizada para atender aos requisitos técnicos dos hyperscalers.
Não basta replicar modelos prontos. Projetos desse tipo exigem conhecimento profundo do mercado de energia, familiaridade com especificações técnicas como densidade elétrica variável, e uma capacidade de execução rigorosa, já que qualquer erro de planejamento pode comprometer a entrega em prazos que são, por definição, inegociáveis nesse setor.
Esse aspecto, por sua vez, está muito atrelado à terceira barreira: a do capital humano.
Apesar de ser uma indústria que existe desde o início dos anos 2000, não é fácil compor um time com conhecimento técnico comprovado, e com experiência de já ter projetado, executado e operado data centers. Sem contar a questão do networking.
Para realizar esse trabalho, é necessário profissionais que não apenas dominem os aspectos técnicos do projeto, mas que cultivem relacionamento direto com os hyperscalers — tanto no Brasil, quanto em suas matrizes no exterior.
Essa interlocução é estratégica para garantir alinhamento com padrões globais, antecipar demandas específicas e, acima de tudo, gerar confiança junto aos maiores consumidores de infraestrutura digital do mundo.
A combinação desses três fatores evidencia por que tão poucas empresas conseguem operar em escala neste mercado. Não se trata apenas de capital ou engenharia isoladamente, mas da convergência entre competências técnicas, solidez financeira e reputação construída ao longo de anos com os principais players globais. Contudo, é justamente essa escassez que reforça o tamanho da oportunidade.
Se formos capazes de destravar esses gargalos, o Brasil não apenas atenderá sua própria demanda digital, como poderá se posicionar como exportador estratégico de infraestrutura crítica para a nova economia global.
Roberto Miranda de Lima é sócio-fundador e CEO da Arch Capital (antes conhecida como Autonomy).