Os Correios deixaram de ser um inquilino desejado

Os Correios deixaram de ser um inquilino desejado
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Por anos, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – os Correios – foi um cliente disputado no mercado logístico, com sua presença nacional e tamanho operacional.

Agora, a estatal enfrenta um momento delicado: sem dinheiro em caixa, com queda na arrecadação e um rombo bilionário, repensa sua malha logística e tenta enxugar operações.

Hoje, a empresa mantém 747 contratos de locação de galpões pelo País e mais de 12 mil agências. A revisão contratual, segundo os Correios, é contínua.

A crise financeira se soma a uma turbulência política. Fabiano Silva renunciou ao cargo de presidente após 11 trimestres consecutivos de prejuízo. A companhia já anunciou ao mercado que não vai honrar R$ 2,7 bilhões em dívidas — incluindo tributos, fornecedores e benefícios trabalhistas.

A saúde financeira já frágil da empresa não é algo novo, mas piorou rapidamente desde 2024.

Uma fonte familiarizada com o tema disse ao Metro Quadrado que a situação – que já não andava das melhores – se agravou após a aprovação da lei que criou a chamada “taxa das blusinhas.”

Com o fim da isenção nas compras internacionais, o senior management da estatal previu um impacto relevante na receita e iniciou um processo de enxugamento.

Meses depois, os Correios começaram a revisar contratos, o que culminou na rescisão do acordo com a Rio Bravo e Tellus, em Contagem, Minas Gerais.

Mesmo diante da crise, o mercado logístico ainda se divide sobre os riscos e vantagens de ter a estatal como inquilina.

Há quem defenda a relação, citando a estabilidade contratual e o respaldo esperado em caso de inadimplência, dada a ligação com o governo federal.

O histórico de adimplência da estatal ainda pesa na avaliação, dizem fontes. “Geralmente, uma empresa como os Correios entra no galpão e não consegue sair com facilidade por causa da burocracia do seu aspecto público,” disse um gestor pró-Correios.

Além disso, os Correios têm uma capilaridade invejável, operando entregas em todos os municípios do País, sem um concorrente direto com a mesma característica.

Brookfield e Bresco estão entre as casas que topam trabalhar com a companhia.

Para os detratores, além do risco de se tornar uma inquilina inadimplente, a estatal faz má gestão dos ativos locados e resiste a reajustes de aluguel. “Quem fala bem hoje quer fazer a ‘política da boa vizinhança’,” disse um gestor de fundo logístico.

XP e BTG, por exemplo, são dois proprietários que evitam fazer negócios com os Correios, por entenderem que lidar com uma empresa estatal adiciona um risco político, apurou o Metro Quadrado.

Aqueles que são contra ou a favor convergem em um ponto: a interferência política aumentou nos últimos anos. No mercado, essa ingerência é vista como pano de fundo para os atrasos e rescisões contratuais.

O contrato de built-to-suit dos Correios com a Rio Bravo foi parar na Justiça. A gestora acusa a estatal de calote; já os Correios alegam problemas estruturais no galpão que inviabilizariam as operações.

Sócia da Rio Bravo, Anita Scal disse que o anúncio da saída pegou a gestora de surpresa à época, já que os ajustes no galpão haviam sido feitos.

“Nos enviaram um comunicado na sexta-feira. Na segunda-feira já não havia mais operações deles no local,” ela disse. “Acreditamos que eles já haviam decidido quebrar o contrato e ficaram buscando empecilhos para justificar a saída.”

A Rio Bravo deve cobrar judicialmente o valor integral do contrato de 15 anos, além dos atrasos desde dezembro sobre aluguel e IPTU. O valor reclamado supera os R$ 320 milhões.

Os Correios disseram ao Metro Quadrado que a rescisão foi feita administrativamente e até o momento não há nenhum processo judicial em relação à decisão.

Depois de deixar o imóvel da Rio Bravo — um galpão logístico de 50 mil m² em Contagem — os Correios começaram a buscar um novo endereço. O escolhido foi um galpão da Bresco, também em Contagem, com 15 mil m².

As tratativas começaram meses antes da saída oficial. O novo contrato também resolveu um problema para a Bresco: o imóvel era ocupado pela Americanas, que pediu rescisão contratual em novembro de 2024 como parte de sua recuperação judicial.

Uma fonte familiarizada com a transação diz que, para o Bresco, a empresa de serviços postais não representa um risco maior por ser estatal e que problemas podem ocorrer com qualquer inquilino.

Entra nessa conta o fato de o espaço locado representar uma baixa exposição para a Bresco. O contrato com a estatal corresponde a 3,4% do portfólio logístico da gestora.

Além da batalha com a Rio Bravo e Tellus, os Correios ainda enfrentam litígios imobiliários em relação às agências com aluguéis atrasados.

Em dezembro, mais de 200 unidades corriam risco de despejo. Agora, este número pode ser ainda maior e atinge todos os municípios em que os Correios operam, disse uma fonte familiarizada ao tema.

“Em todos os casos, a empresa está adotando as providências administrativas e jurídicas cabíveis, sempre pautada pela legalidade, boa-fé e transparência institucional,” disse a companhia.

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