Imoral ou ilegal? A denúncia na Virgo e o alerta nos CRIs

Imoral ou ilegal? A denúncia na Virgo e o alerta nos CRIs
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Numa denúncia protocolada hoje na CVM, um ex-executivo da Virgo acusou o controlador da securitizadora, Ivo Kos, de gestão temerária, dizendo que ele desviou R$ 240 milhões de fundos de outros clientes para honrar uma operação de CRI.

A acusação contra a Virgo — a segunda maior securitizadora do Brasil, com um share de 10% das operações de renda fixa no ano passado — acendeu um sinal de alerta entre players do setor e jogou luz sobre potenciais fragilidades no ecossistema de CRIs, onde o maior comprador hoje é o investidor pessoa física. 

O ex-executivo da Virgo, Eduardo Levy, é um profissional com 35 anos de mercado e passagens pelo Banco Garantia, Rio Bravo Investimentos e Monte Bravo.

Ele trabalhou na Virgo como head de IB entre janeiro e julho deste ano, quando pediu seu desligamento por, segundo ele, discordar de como Kos conduzia a empresa no geral, e algumas operações em particular. 

Num documento de 10 páginas enviado à CVM – repleto de prints de conversas no Whatsapp e  distribuído por ele mesmo a diversos players do setor – Levy detalhou a conduta de Kos numa operação envolvendo um CRI da Cedro Participações que buscava levantar recursos para construir um hospital ‘built to suit’ para a Oncoclínicas em Belo Horizonte. 

08 18 Eduardo Levy ok

Na estruturação do CRI, a Cedro estava sendo asssessorada pela Exa, a gestora do ex-head de IB da XP, Pedro Mesquita, que contratou a Virgo para securitizar e distribuir o ativo, disse Levy, que não acusa nem a Cedro nem a Exa de impropriedades. 

Segundo Levy, a emissão seria em três tranches, com a primeira somando R$ 130 milhões. A Virgo começou a conversar com investidores em março para levantar os recursos, mas o mercado se mostrava reticente com o risco e a emissão não encontrou compradores. 

“Na época eu falei para o Ivo que as condições não eram favoráveis e que o melhor era adiar a emissão, mas em vez disso ele procurou a Cedro e deu uma garantia firme, falando que se não colocássemos no mercado a Virgo assumia a responsabilidade,” Levy disse ao Metro Quadrado

Segundo Levy, quando não conseguiu captar – e sem recursos para arcar com a garantia firme – Kos começou a desviar recursos das contas de outros clientes da securitizadora para comprar o CRI da Cedro. 

Isso foi possível porque, quando uma securitizadora faz a emissão de um CRI, os recursos captados ficam guardados por ela numa conta separada, até o emissor efetivamente precisar do capital. 

Num CRI para a construção de um prédio, por exemplo, o emissor vai pegando os recursos conforme as obras vão avançando. Enquanto isso, o dinheiro pode ficar investido, mas as regras da indústria e da CVM exigem que esses investimentos sejam de baixíssimo risco (como títulos públicos ou CDBs de alta qualidade) e com liquidez imediata. 

Ainda segundo a denúncia, para operacionalizar o desvio de recursos sem chamar atenção, o dinheiro dos clientes não era investido diretamente no CRI da Cedro, e sim num fundo chamado Allocation, criado em maio pela Virgo. 

A Virgo fez essas movimentações com diversos clientes, mas pelo menos três deles — Kinea, XP Asset e Oriz — perceberam a saída dos recursos e exigiram que o dinheiro voltasse para a conta. Segundo Levy, esses clientes tiveram R$ 80 milhões movimentados indevidamente.

No total, foram transferidos R$ 160 milhões para o fundo Allocation, mais do que os R$ 130 milhões da emissão. Segundo Levy, o excedente era investido em ativos seguros e de curto prazo para dar a impressão de que o Allocation era um fundo de liquidez. 

Nas contas dele, pelo menos R$ 240 milhões foram movimentados indevidamente, já que quando foi forçado a devolver os R$ 80 milhões da Kinea, XP Asset e Oriz, Kos teve que pegar esse dinheiro da conta de outros clientes. 

08 18 Ivo Kos ok

Na denúncia à CVM, Levy relata ainda que três diretores estatutários deixaram a empresa em maio, quando ficaram sabendo das práticas ilegais. Naquele momento, Levy e Alexandre Rocha, outro executivo de IB da Virgo, decidiram continuar na empresa e assumiram cargos estatutários. 

Levy disse que optou por continuar porque acreditou que Kos conseguiria captar os recursos legitimamente, já que Kos dizia com frequência que alguma casa de investimento estava pronta para investir no CRI.

Como as coisas não mudaram, ele pediu demissão em 7 de julho e enviou uma notificação extrajudicial a Kos e Rocha — que continua na empresa — explicando os motivos de seu desligamento: questões pessoais e a operação ilegal. 

Fundada em 2021 por Kos — um executivo de perfil comercial cujo currículo inclui passagens pelo UBS, JP Morgan e Link Investimentos –, a Virgo recebeu logo no início um investimento da XP. A corretora investiu R$ 40 milhões por meio de uma debênture conversível que foi pré-paga pela Virgo em maio deste ano, quando a dívida já estava em R$ 68 milhões. 

Segundo Levy, para pré-pagar os recursos a Virgo tomou empréstimos bancários de cerca de R$ 40 milhões e usou outros R$ 28 milhões que tinha em caixa. Kos é o único acionista da companhia hoje.

Além do uso indevido de recursos de clientes, Levy diz que Kos tomou dinheiro emprestado da empresa por meio de diversos mútuos e fez pagamentos de dividendos indevidos, que drenaram o caixa da companhia. 

A defesa de Kos disse que a Virgo agiu dentro da lei e questionou o comportamento de Levy durante e depois de seu tempo na empresa.

“Algumas pessoas podem até achar o que o meu cliente fez imoral, embora não seja, mas ilegal não é,” Rodrigo Tannuri, um advogado que representa a Virgo, disse ao Metro Quadrado

Segundo ele, a Resolução 60 da CVM, que trata das securitizadoras, “não estabelece vedação absoluta do tipo de veículo em que o recurso será aplicado, apenas que assegure que seja em instrumentos que não comprometam a segurança dos recursos.”

A resolução exige apenas que haja “diligência e lealdade, prezando pela liquidez dos recursos. E isso foi cumprido,” disse o advogado. “Ele não colocou num papel AAA, mas tinha mandato para fazer isso.”

Para um gestor independente, “a Resolução da CVM pode dizer o que quiser, mas cada CRI tem um documento chamado ‘termo de securitização’, que estabelece o destino dos recursos da operação. Numa operação específica nossa, que foi objeto desse desvio, o termo estabelecia que os recursos deveriam estar aplicados num fundo do Itaú, e ele estava no fundo Allocation. Quando vimos isso, pedimos o resgate.”

Para este gestor, “este episódio deveria jogar luz sobre o papel dos agentes fiduciários, que é quem deveria estar acompanhando a obediência ao termo de securitização e garantindo que isso não ocorra.”

Para Tannuri, a acusação de Levy é de que Kos “comprou um Voyage em vez de um Corolla” ao aplicar os recursos do patrimônio separado de outras operações no Allocation – para assim liquidar o CRI.

Ao longo de diversas entrevistas ao longo do dia, ambas as partes fizeram comentários desairosos sobre a outra, atacando-se mutuamente em termos de caráter, honra, motivação e até estado mental. Em vez de reproduzir os adjetivos, o Metro Quadrado vai se ater ao único fato pertinente ao mercado: a legalidade ou não da operação.

O advogado da Virgo mantém que “o Levy sabia de tudo e participou de tudo, e agora resolveu jogar a carreira dele pela janela.” 

Levy disse que a Virgo terá que provar as alegações. “A ilegalidade daquela operação é fato; o que querem fazer é jogar a responsabilidade para mim,” disse Levy. “Se eu era o responsável, por que a Virgo continuou a alocar no fundo após minha saída em 8 de julho, até semana passada?”

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