Entrevista/ ‘O interesse dos gringos nos FIIs está muito baixo,’ diz CEO da Hedge

‘O interesse dos gringos nos FIIs está muito baixo,’ diz CEO da Hedge
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Os fundos imobiliários estão com dificuldades para atrair capital estrangeiro.

Segundo a Hedge Investments, uma das gestoras que mais tentam atrair investidores de outros países para o mercado de FIIs nacional, a volatilidade da moeda brasileira é o que mais tem atrapalhado a missão.

André Freitas

“O interesse já foi muito maior, mas agora é muito baixo,” o CEO André Freitas disse ao Metro Quadrado.

“Nos Estados Unidos, por exemplo, há ativos rendendo dólar +6%, 7% ou 8% sem preocupações com câmbio.”

No mercado local, por outro lado, a perspectiva positiva de consumo impulsiona o segmento de logística e os juros ainda elevados tornam os FIIs de papel uma alternativa atrativa no curto prazo.

“Se tiver que escolher, nos próximos seis meses ainda terei uma alocação grande em fundos de crédito, que vão remunerar muito independente da mudança dos juros ou do crescimento econômico do Brasil.”

Abaixo, os principais trechos da entrevista.

Os FIIs de logística são os que mais sobem no ano. O que explica?

No primeiro semestre, tivemos uma perspectiva positiva de consumo, com uma safra recorde que fez o PIB ser positivo. Os shoppings, por exemplo, tiveram um crescimento de vendas de 12%, em média, na nossa carteira, o que favorece a logística. Há também a resiliência própria desse segmento que tem, muitas vezes, contratos atípicos de built-to-suit ou sale and leaseback. A demanda faz com que as pessoas permaneçam investidas e a rentabilidade siga positiva.

Na sequência aparecem os FIIs de papel. O apelo deles deve diminuir conforme um ciclo de queda dos juros se aproxima?

Acredito que teremos dois cortes até o final do ano, terminando 2025 em 14,5%. À medida em que se iniciarem as conversas de corte, os FIIs de papel realmente perdem um pouco de interesse e as pessoas tendem a ir para o tijolo. Mas isso deve ocorrer de forma lenta, porque 15% de juros ainda é um patamar muito alto. Nos próximos seis meses ainda terei uma alocação grande em fundos de crédito porque eles ainda vão remunerar muito, independente da mudança dos juros ou do crescimento econômico do Brasil.

Só tomaria o cuidado de optar por high grade em vez de high yield. Com o juro desse tamanho, prefiro ficar no CDI +3% correndo pouco risco, com nomes grandes que têm rating bom e histórico de bom pagador, a entrar em incorporadora pequena, loteamento ou outras teses que pagam CDI +6%, mas têm vulnerabilidade maior.

Muitas casas têm consolidado teses de hedge funds e FOFs, seguindo apenas com os hedge funds. Qual a visão da Hedge sobre o tema?

Nós continuamos no segmento de FOF. Temos iniciativas um pouco diferentes, como o ETF de tijolo que lançamos recentemente visando o público institucional. Mas, na questão do hedge fund, o que poderíamos fazer de novo com ele? Comprar ações, o que é bom por um lado, mas também é ruim em períodos de maior volatilidade como o atual. Estamos no low das últimas semanas e já passa de R$ 3 bi a saída de estrangeiros da Bolsa, não porque o real estate está mal, mas porque foram atrás do Bolsonaro ou porque o Trump disse que não vai aliviar as tarifas.

A resiliência do fundo imobiliário vem justamente de ter pouco impacto dos investidores estrangeiros e não consigo enxergar esse benefício nos hedge funds. Além disso, não é que o gestor é um gênio da lâmpada que está operando franco suíço contra o dólar, por exemplo. A maioria deles tem 80% da carteira em CRI, um produto que já posso colocar nos FOFs. É muito bonito falar “eu não tenho FOF, tenho hedge fund”. Mas hedge fund do quê? Se for para comprar 80% de CRI, vai em um fundo de crédito bom.

Não descarto investir ou criar um hedge fund  no futuro, mas acredito que ainda tem bastante coisa para se fazer em FIIs com inteligência e com inovação.

A Hedge vendeu recentemente um corporativo na Paulista para outra gestora retrofitar. Essa estratégia deve ser adotada em outros fundos? 

Foi uma operação pensada para aquele ativo, mas também é uma tendência, pois hoje não está fácil captar. Dos R$ 18,4 bilhões levantados no ano até agora, muito vem de fundos de renda fixa travestidos de FOF ou de FII de logística em um modelo recente de duas classes de cotas no qual a cota sênior paga CDI + 2% ou 3%, por exemplo.

Não tenho nada contra isso, nós já fizemos várias vezes e acho que está certo. Mas ainda temos muitos fundos monoativos ou criados quando a taxa de juros era muito baixa, que compraram ativos que vão se desvalorizando ao longo do tempo e não tem capacidade de investir para transformá-los, como no caso do edifício na Paulista. Por isso trouxemos um parceiro altamente especializado com interesse em fazer o retrofit. 

Após movimentos de consolidação recentes, o mercado deve caminhar para um modelo próximo ao dos EUA, com menos fundos e ativos maiores?

Temos visto muitos FIIs vendendo um pedaço da sua carteira para outros fundos em troca de cotas visando uma liquidez maior e acredito que isso vai continuar acontecendo. Já o fundo monoativo tende a deixar de existir, exceto para teses de desenvolvimento em club deals, por exemplo. Acredito que vai haver consolidação e que esse movimento recente é significativo, mas ainda estamos muito longe de chegar no mercado americano, que é muito mais maduro e tem um fluxo de capital muito grande.

A Hedge tem uma atuação forte na promoção do mercado de FIIs no exterior. Como vocês avaliam o interesse dos gringos pelos FIIs?

Já foi muito maior, agora é muito baixo em virtude principalmente da volatilidade da moeda. Por um período grande tivemos um diferencial de juros muito alto. Trabalhávamos com cap rates baixos e o investidor tomava negócios nessas taxas porque o juro lá fora era zero. O diferencial ainda é alto, mas, como passamos a trabalhar com taxas maiores, o play de moeda começa a ser importante e perdemos atratividade.

Nos Estados Unidos, por exemplo, há ativos rendendo dólar +6%, 7% ou 8% sem preocupações com câmbio. É preferível estar lá ou num lugar em que não se sabe quem vai ganhar a eleição, como é o fiscal, se tem IOF, se vai taxar isso ou se vai taxar aquilo? O cenário de hoje está difícil para todo mundo, mas é mais fácil o Trump baixar o juro para 1,5% do que o Banco Central do Brasil baixar para 12%.

O que falta para os institucionais estrangeiros entrarem em peso neste mercado?

Primeiro, confiança na moeda. E confiança na moeda significa confiança de que o Brasil terá um período de responsabilidade fiscal que levaria à queda do dólar e a um horizonte mais previsível para a queda da inflação e a baixa dos juros. O crédito ficaria mais barato, teríamos um círculo virtuoso e, neste cenário, que é utópico, tenho certeza que o Brasil cresceria acima de 4% e todos os mercados teriam um desenvolvimento maior.

O certo seria o governo sinalizar que, se precisamos entregar o equivalente a 3% do PIB de ajuste fiscal, ele vai cortar 2% e exigir 1% da sociedade ao tributar os mais ricos. Mas é uma troca, não tudo em cima da sociedade como tem sido feito nos últimos dez anos. Tem que haver também uma concertação política. Parar com a polarização que vimos recentemente, com político brasileiro influenciando o governo americano a punir o Brasil e o governo brasileiro criando uma despesa nova a cada semana, sem que ninguém do centro-direita ou do centro-esquerda se apresente para ter uma moderação e aproveitar a oportunidade.

O governo anunciou recentemente que quer taxar os dividendos de FIIs. Como avalia essa proposta?

Primeiro precisamos desmistificar alguns mitos. Não foi o setor que pediu isenção, os produtos foram criados assim para atrair a pessoa física e arrumar um funding novo na construção civil, direcionando recursos do mercado de capitais e do pequeno poupador para empreendimentos que o governo não consegue atingir. 

Mas precisa da isenção? É um jeito de direcionar o recurso. Por que correr o risco de o shopping não ter público, do galpão ficar vazio ou do prédio não ter inquilino se posso comprar um título do governo e ficar sentado em cima dele, recebendo inflação mais 8%? O benefício da isenção é grande e ganhamos mais fazendo o País crescer e baixando os juros. Por isso defendo que não haja tributação e que, se o governo quiser fazer isso, tem que ser após uma grande discussão na sociedade e no mercado de investimentos, com escalonamento da implementação e preservação do estoque contratado em outra condição.

A Hedge tem atualmente R$ 10 bilhões sob gestão. Quais são os próximos passos?

Temos feito produtos para desenvolvimento em logística, escritórios e residencial, trabalhado ativamente na consolidação de alguns produtos e procurado oportunidades no mercado secundário de FIIs de tijolo com desconto. Temos buscado também um retorno maior de múltiplos de capital — ou seja, de TIR e não de dividendo. Olhando para o longo prazo, deve haver uma redução de juros que beneficiará todos esses ativos do nosso portfólio. Mas, no momento, com a Selic em 15%, uma posição grande em fundos de CRI me parece bastante positiva e confortável para os próximos seis meses.

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