Opinião/ O que Jim Collins nos ensina sobre Loft e QuintoAndar

No mercado imobiliário, não é raro que capital, produto e ambição estejam presentes desde o primeiro dia. O difícil mesmo é construir algo que dure.
Vimos isso no boom dos IPOs em 2008 junto às principais incorporadoras do país. E vimos o mesmo em 2018 com o hype das empresas de tech brasileiras.
Jim Collins, em sua obra Empresas Feitas para Vencer, argumenta que o sucesso sustentável não nasce do brilho momentâneo, mas da obsessão com foco, disciplina e consistência. Ele propõe uma lente para identificar o que diferencia empresas verdadeiramente duradouras daquelas que apenas parecem brilhantes.
Mas como Jim Collins analisaria a trajetória de Loft e QuintoAndar sob a lente da estratégia? Comecemos pelo QuintoAndar.
Desde sua fundação, a startup escolheu um problema específico e relevante: a burocracia do aluguel residencial. Sua missão, simplificar a jornada de moradia, nunca foi apenas uma frase bonita. Foi o core estratégico que guiou decisões, produtos e expansão.
O QuintoAndar demorou quase sete anos para se tornar unicórnio. Mas esse ritmo permitiu que cada avanço — novos clientes, mais dados, melhor tecnologia — reforçasse o próprio modelo de negócio. Não era lentidão, era construção robusta.
Ao entrar em compra e venda de imóveis, o fez comprando alguém (Casa Mineira) que já dominava o modelo e agregava receita e experiência em uma praça estratégica.
Isso não significa ausência de erros, como quando passou a se movimentar em operações de M&A mais movido pela rivalidade com a Loft do que pela racionalidade estratégica.
Mas depois provou a capacidade de recuar de forma disciplinada — como ao encerrar a vertical de garantias para terceiros (QuintoCred Garantia) em 2025.
O maior perigo para o QuintoAndar é o mesmo que afeta empresas que chegaram longe: a tentação de fazer mais do que deveriam.
Como Collins coloca, o “declínio começa com a busca indisciplinada por mais”. Se não vigiar seu próprio foco, pode perder justamente o que o fez vencer até aqui.
Já a Loft nasceu em 2018 e se tornou unicórnio em menos de 18 meses.
O modelo iBuyer — comprar, reformar e revender imóveis — atraiu fundos em série e gerou uma das maiores ondas de crescimento já vistas no mundo da tecnologia. Mas era uma construção com base em funding barato e crescimento acelerado, sem validação de um motor econômico sustentável.
Aquilo que era um bom negócio em pequena escala não mostrava fundamentos para se sustentar em uma grande escala.
Jim Collins define o primeiro estágio do declínio como “a arrogância do sucesso” (hubris born of success). Foi o que vimos na Loft: diversificação sem foco (marketplace, crédito, fiança, dados, reformas), queima de caixa em ritmo vertiginoso e uma operação altamente dependente do ambiente macro.
A virada começou em 2023. A Loft abandonou o modelo iBuyer, demitiu centenas de funcionários, ajustou estratégia e passou a operar com foco em soluções de fiança, crédito e tecnologia B2B. Entre erros e acertos, a decisão de ter comprado a Credpago se tornou a salvação da empresa e mostrou um novo caminho de crescimento.
Resultado: atingiu o breakeven e hoje opera com mais de 500 mil contratos ativos de fiança. A empresa redescobriu sua base — e agora precisa protegê-la com disciplina.
Collins diria que a Loft está em um ponto de bifurcação. Ou transforma sua nova estratégia em cultura organizacional duradoura, ou cede novamente à tentação da diversificação sem clareza. O futuro depende menos de funding e mais de foco.
O valuation do passado não será mais comprovado, o que não significa que não é possível construir algo valioso a partir daqui e se manter como uma empresa feita para vencer.
Sob a ótica da estratégia uma grande diferença na trajetória entre as empresas é que o Quinto Andar conseguiu se beneficiar do efeito cumulativo de um negócio de receita recorrente.
A gestão de aluguéis permite à empresa a construção de uma carteira que a cada mês adiciona faturamento recorrente para a companhia.
Com fluxos contínuos e previsíveis, a empresa consegue planejar custos e investimentos com menos risco, absorvendo choques de mercado de forma mais resiliente. Além disso, como boa parte do valor vem após a venda inicial, a lógica muda: o foco deixa de ser apenas conquistar novos clientes e passa a ser reter e expandir a base existente, via renovações, upsell e cross-sell.
Isso reduz a dependência de aquisição constante — cada vez mais cara em mercados competitivos — e melhora a eficiência do CAC ao longo do tempo.
Em resumo, a receita recorrente cria um motor econômico mais sólido, que não só sustenta valuation superior, mas abre espaço para plataformas de serviços incrementais e de longo prazo.
Por outro lado, a Loft partiu de um modelo que o motor de receita era transacional, modelo onde se você para de pisar no acelerador ou o mercado impõe tal condição, tudo que construiu começa a perder valor.
O jogo virou ao abraçar o negócio de garantia locatícia como vetor principal e apostar na recorrência.
Ambas as empresas operam em um setor que exige muito capital, enfrenta ciclos longos e está exposto à volatilidade macroeconômica.
Mas Collins diria: o que define o destino de Loft e QuintoAndar não são os juros ou a liquidez de venture capital — é o grau de disciplina estratégica com que lidam com o próprio crescimento.
Se continuar fiel ao seu Hedgehog Concept e expandir somente em direções que reforcem sua missão, o QuintoAndar tem chance real de se tornar uma companhia centenária.
O desafio será evitar a armadilha da expansão sedutora — e manter humildade para cortar o que não funciona.
Talvez o melhor para a empresa seja aceitar que não será um player de domínio nacional (imobiliárias locais continuarão tendo seu papel), e está tudo bem em não ser.
Já a Loft ainda está se reinventando. Atingir o breakeven foi um marco, mas não garante estabilidade. Collins alertaria para os dois cenários possíveis: o de manter a disciplina com foco ou o da recaída em crescer a qualquer custo.
A tentação de novamente fazer M&As e promover crescimento inorgânico não pode passar por cima da estratégia e disciplina.
Nos últimos anos, o mercado imobiliário viu uma explosão de startups, capital e promessas de transformação.
Mas o problema nunca foi crescer — e sim sustentar o crescimento com coerência. Se sua startup perdesse todo o funding externo amanhã, ela ainda teria um modelo que se sustenta? Não podemos nos esquecer que o melhor dinheiro é aquele conquistado com os clientes.
Fundadores precisam ficar atentos para não confundir oportunidade com urgência. Já os investidores devem cobrar foco, não só valuation. Quanto a imobiliárias e parceiros, é importante apoiar quem sabe onde quer chegar.
Afinal, como Collins nos lembra: empresas excelentes não nascem grandes, nascem disciplinadas.
Bruno Loreto é sócio da Terracotta Ventures.