Opinião/ A MP dos data centers e o caminho para uma boa regulação

A MP dos data centers e o caminho para uma boa regulação
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O trabalho para regular o mercado de data centers no Brasil deu um passo importante nesta semana, com o envio pelo governo ao Congresso de uma MP que inicia o debate, um movimento muito aguardado por investidores.

O Brasil detém condições naturais e de infraestrutura favoráveis para se tornar uma potência global nesse mercado que cresce em ritmo acelerado e impulsionado pela inteligência artificial – mas isso não basta. Faltam segurança jurídica e estabilidade de regras, o que torna tão premente e estratégica uma boa regulação.

A questão é como fazer. Se errarmos, podemos desperdiçar essa janela de oportunidade do mercado global e nos restringir ao mercado interno.

A MP enviada, que cria o Regime Especial de Tributação para Serviços de Datacenter (REDATA), assegura o mais importante: benefícios fiscais incidentes sobre os impostos federais aplicáveis à aquisição de equipamentos destinados à implantação e operação de data centers.

O peso do investimento nesses equipamentos é brutal, podendo chegar a 70% do valor total do projeto ou até mais, em casos específicos. Aliviar parte do peso da carga tributária sobre essa parcela do investimento faz muito sentido e torna o País mais competitivo.

A MP do REDATA se soma à MP que trata das Zonas de Processamento de Exportação (ZPEs) para data centers (MP 1.307/2025), e as duas serão discutidas pelo Congresso nos próximos meses antes de – espera-se – serem convertidas em leis.

O papel do Congresso é buscar uma regulação ideal ao desenvolvimento do setor. Em primeiro lugar, terá que discutir como conciliar as ZPEs com o REDATA.

Restringir o desenvolvimento de campus de data centers do tipo hyperscalers às áreas de ZPE pode criar uma limitação desnecessária na oferta.

Além disso, pode gerar desigualdades e assimetrias regionais dentro do Brasil, reeditando conflitos como a “guerra fiscal” entre alguns estados.

Um movimento alternativo poderia ser o de fomentar, em parceria com o setor privado, o crescimento da rede de cabos submarinos de fibra ótica que nos conectam aos mercados mais relevantes como América do Norte e Europa. Um bom exemplo é a extensão do cabo submarino Malbec para Porto Alegre, que colocou essa região no mapa dos data centers no Brasil.

Em segundo lugar, o Congresso terá que analisar e ponderar os critérios trazidos pela própria MP do REDATA.

Alguns requisitos já foram definidos em linhas gerais na própria MP, ainda que pendentes de detalhamento em regulamentação posterior, e dizem respeito à sustentabilidade obrigatória (como a utilização de 100% de energia limpa e renovável e eficiência hídrica), além da disponibilização de ao menos 10% de sua capacidade de processamento e armazenamento ao mercado interno.

Este último talvez não seja um problema, visto o potencial de realizarmos o “nearshoring” de dados nacionais que hoje são armazenados em data centers no exterior. 

A MP do REDATA impõe ainda um investimento obrigatório de 2% do valor total dos produtos adquiridos com o incentivo fiscal no âmbito do REDATA em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação em programas de desenvolvimento do ecossistema da economia digital.

É uma espécie de cashback mandatório a ser pago pelos aderentes ao programa sob a forma de investimentos direcionados. Seja essa uma contrapartida justa ou não, eficiente ou não, é um custo que deverá ser considerado pelos nossos deputados e senadores.

Por fim, será preciso pensar que há muitos assuntos paralelos que podem atravessar a discussão que será travada acerca dos data centers, como proteção e soberania de dados, organização e planejamento do setor elétrico e da infraestrutura de distribuição, entre vários outros.

Em última análise, há um risco de que a própria regulação da inteligência artificial se confunda, ainda que indevidamente, com a regulação de data centers, embolando o processo.

Não há – ou ao menos não deveria haver – uma competição entre estados brasileiros. Há uma competição entre países, das mais diversas regiões, por uma demanda de investimentos astronômica e, ao menos para a IA generativa, a localização geográfica no globo é menos importante. O que importa são as condições de instalação, conexão, operação e, claro, as regras do jogo.

Para termos condições de aproveitar o timing dos investimentos, será essencial dissociar discussões da regulação de data center de outras que seriam laterais ou mais complexas, como uma regulação mais ampla da inteligência artificial generativa. 

Regular um mercado tão promissor e tão complexo tem os seus desafios e não são poucos.

Richard Posner, o famoso professor da University of Chicago Law School (e por muitos considerado como o pai do conceito de Law and Economics), já defendia desde 1973 que o papel da regulação não é apenas “controlar” certo mercado, mas criar condições para eficiência e alocação ótima de recursos para o seu desenvolvimento.

Historicamente, o Brasil tem sido pródigo em regular demais ou regular mal. Não são poucas as fontes de potencial interferência.

Talvez a receita seja focar no essencial. Como ensina o velho ditado: menos, em alguns casos, é mais.

Bruno Amatuzzi é sócio da Amatuzzi Advogados.

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