Opinião/ Alta da Selic redesenha perfil social e geográfico de quem compra imóvel

Alta da Selic redesenha perfil social e geográfico de quem compra imóvel
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A elevação da taxa de juros que o Brasil vem experimentando desde 2021 redesenhou o perfil geográfico e socioeconômico de quem pode financiar um imóvel, exigindo um reposicionamento das políticas públicas e das estratégias comerciais do setor imobiliário.

O avanço dos juros não apenas diminui o apetite de um possível comprador, mas o exclui de fato da possibilidade de ter um financiamento aprovado.

Exemplo: em meados de 2021, quando a Selic estava em 5,5% e os juros médios no mercado imobiliário eram de 8% ao ano, um comprador que adquiriu um imóvel de R$ 900 mil na planta em São Paulo — valor mediano de anúncio na capital — pagou parte na entrada e ao longo da obra, planejando financiar os 50% restantes na entrega. Naquele momento, o financiamento custaria cerca de R$ 3.966 por mês, exigindo uma renda de aproximadamente R$ 13.220 para aprovação do banco.

Com a Selic subindo para o patamar atual de 14,75% e os juros do mercado numa média de 12%, a parcela inicial do financiamento sobe para R$ 5.425, exigindo uma renda de R$ 18.086.

O mesmo imóvel, para o mesmo comprador, se tornou inacessível apenas porque o custo do dinheiro mudou.

Somando apenas as populações das capitais, o avanço dos juros tirou 3,3 milhões de brasileiros do jogo, considerando os preços medianos e a distribuição de renda de cada cidade, em um levantamento feito pelo Instituto Cidades Responsivas.

Como cada cidade tem a sua dinâmica, o impacto dos juros em cada uma também muda.

Belém, por exemplo, foi a que teve a maior redução da parcela apta a financiar um imóvel, de 7,5% para 3,5%, caindo a menos da metade do que tinha.

São Paulo, como já era de se esperar, foi a que teve a maior diminuição em números absolutos. No recorte analisado, a capital tinha 1,25 milhão de pessoas aptas em 2021. Em quatro anos, 565 mil foram excluídas da conta.

Já Porto Alegre foi a que teve a maior baixa como proporção da sua população, com uma exclusão de 6,5% das pessoas. Mesmo assim, segue como a capital com a maior parcela da população apta a financiar, de 9,99%, seguida de Recife, com 8,06%.

GRAFICO M2v2

Isso, no entanto, não é sinal de robustez de mercado para Porto Alegre e Recife: ambas registraram queda populacional na última década, o que reduziu significativamente a demanda por novas unidades e pressionou os preços para baixo, sendo também as capitais com menor preço mediano dos imóveis anunciados entre as cidades analisadas.

Essa dinâmica demográfica ajuda a explicar por que, mesmo com o encarecimento do crédito, uma fatia relevante da população ainda se enquadra nos critérios de financiamento.

Vale lembrar que o financiamento habitacional no Brasil depende, em grande parte, do SBPE — o sistema que utiliza recursos da poupança para financiar a pessoa física.

A correlação entre Selic e juros imobiliários não é exata, porque há outros fatores que influenciam também as taxas de mercado, mas a direção é inevitável: quando o dinheiro básico fica caro, o crédito habitacional encarece.

Além disso, a própria base de recursos do sistema vem encolhendo.

Desde 2022, a poupança registra mais saques do que aportes, com os investidores migrando para aplicações mais rentáveis. O que antes era uma fonte estável e previsível de funding virou um gargalo. Os bancos têm menos recursos para emprestar — e emprestam com mais cautela.

Com a menor demanda, a consequência imediata recai sobre as incorporadoras: o que antes era uma venda garantida na planta se transforma em distrato, ou em necessidade de financiamento direto ao cliente.

Nesse contexto, as incorporadoras precisam ser criativas — buscando novas formas de liquidez e alternativas de funding fora do sistema bancário tradicional, como operações estruturadas no mercado de capitais: FIDCs, CRIs e vendas com recebíveis pulverizados.

Do lado do setor público, diante do encolhimento do crédito tradicional e da paralisia das vendas no médio padrão, o governo federal lançou uma resposta tática: a Faixa 4 do Minha Casa Minha Vida, voltada a imóveis de até R$ 500 mil. O programa oferece financiamento com juros máximos de 10,5% ao ano, abaixo das taxas de mercado e com acesso simplificado.

A medida tenta resgatar justamente o comprador que desapareceu: aquele que não se encaixa no MCMV tradicional, mas também não consegue mais financiar um imóvel de R$ 400 mil a R$ 500 mil no mercado privado. O governo passou a subsidiar parte do que antes era considerado “médio padrão”, evidenciando que o modelo de crédito oferecido tem se tornado insuficiente para ampliar o acesso à moradia.

Essa diversidade pode ser uma virtude — permitindo estruturar soluções sob medida para o empreendimento — mas também exige inteligência de acesso e curadoria. Encontrar o credor certo, com o produto certo, para o momento certo do projeto, tornou-se parte central da estratégia de capital de qualquer incorporadora.

Ao mesmo tempo, as decisões de produto precisam ser mais embasadas: renda da demanda, elasticidade, precificação e viabilidade não são mais luxos técnicos, mas fatores de sobrevivência.

Rodrigo Rocha é sócio do grupo OSPA, de desenvolvimento imobiliário e urbano, e do Instituto Cidades Responsivas.

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