Opinião/ Biometria em condomínios e LGPD: o que pode e o que não pode?

Muitos condomínios – tanto residenciais quanto comerciais – têm adotado tecnologias como reconhecimento facial e digital para controlar o acesso de moradores, visitantes e prestadores de serviço, com o objetivo de ampliar a segurança.
Essa modernização parece simples e eficiente, mas traz problemas decorrentes de erros dos sistemas utilizados e da discriminação de grupos vulneráveis – crianças, adolescentes, idosos –, acarretando uma série de responsabilidades legais que nem sempre são conhecidas ou respeitadas.
Um exemplo recente reacendeu o debate público sobre o tema. É o caso de uma moradora de um prédio em São Paulo que se recusou a fornecer sua biometria facial para entrar no edifício onde vive. Isso gerou um impasse: o condomínio pode obrigá-la a fornecer este dado único e sensível, que tem o potencial de impactar significativamente sua privacidade e seus direitos fundamentais?
A resposta envolve uma discussão aprofundada — tanto que já há diversos projetos de lei em tramitação, e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) abriu em junho uma tomada de subsídios para regulação específica do tema, cujo prazo vence no início de agosto.
No relatório da tomada de subsídios, a Autoridade afirma que “pretende estabelecer um ambiente regulatório seguro e confiável, para os agentes de tratamento, para os titulares de dados e demais sujeitos da sociedade impactados no processo.”
De toda forma, o direito à privacidade, à responsabilidade civil e a boas práticas de governança já estão regulamentados na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), em vigor desde 2020, criada para proteger os dados pessoais de cada cidadão.
A lei se aplica a empresas, governos e condomínios, que passam a ser responsáveis por tudo o que fazem com dados de moradores, visitantes, prestadores de serviço, entre outros.
No caso do tratamento de dados biométricos pelo condomínio, mesmo que se conclua que não seja necessário coletar uma autorização livre, específica e inequívoca – o famoso consentimento –, isso não significa que o condomínio possa adotar indiscriminadamente o uso da digital ou do reconhecimento facial como única forma de controle de acesso no prédio.
É preciso observar alguns requisitos legais fundamentais, como transparência, segurança, proporcionalidade, justificativa clara, específica e legítima, uso adequado da hipótese autorizativa do tratamento, e avaliação jurídica e técnica prévia à utilização da tecnologia, considerando seus riscos, impactos e ações mitigatórias.
Não é demais lembrar que o síndico e/ou as administradoras são os principais responsáveis por garantir que o condomínio cumpra a LGPD e demais leis do ordenamento jurídico, inclusive sob a ótica da responsabilidade civil do Código Civil.
A Autoridade já se manifestou, em algumas notas técnicas, sobre a utilização de biometria, e desencoraja o uso indiscriminado do reconhecimento facial sem análise prévia de impacto, sem teste de balanceamento e sem transparência, pois isso viola a LGPD e representa risco à privacidade dos titulares.
Ainda que a matéria esteja em discussão para regulamentação específica, a LGPD e os próprios entendimentos da Autoridade, em alguns de seus materiais sobre o tema, já apontam as obrigações básicas a serem cumpridas.
Os resultados das avaliações prévias não apenas permitirão o cumprimento da lei, mas principalmente subsidiarão tomadas de decisões mais conscientes relativas a todos os investimentos e medidas necessárias que envolvem o uso legal da tecnologia.
A biometria pode, sim, ser uma aliada da segurança nos condomínios, mas seu uso deve ser feito com responsabilidade, respeito à privacidade das pessoas e dentro da lei.
Assim, cumprir a LGPD não é só uma obrigação legal — é também uma forma de proteger as pessoas, prevenir problemas futuros e demonstrar uma gestão moderna, consciente e transparente.
Vale a pena parar e refletir: há outras soluções menos intrusivas disponíveis, a fim de mitigar riscos ou ameaças aos direitos dos titulares? Meu prédio está preparado para lidar com dados pessoais, em especial biométricos? Possuo os principais recursos – pessoas capacitadas, tempo e dinheiro – para investir em todas as medidas necessárias?
E se a resposta for “não sei” ou “ainda não”, o momento de agir é agora.
*Luiza Patusco é advogada e sócia da área de Privacidade e Proteção de Dados do Duarte Tonetti Advogados.