Gafisa atrasa obras. Clientes vão à Justiça

A Gafisa, a incorporadora de Nelson Tanure, tem atrasado a entrega de empreendimentos em São Paulo, levando clientes a preparar processos contra a companhia.
Um grupo de compradores do Invert Campo Belo, um projeto com VGV de R$ 295 milhões lançado em 2021, procurou um escritório especializado na recuperação de empreendimentos imobiliários, o Viviane Amaral Advogados Associados, para notificar a SPE utilizada pela companhia para tocar o projeto.
Os compradores afirmam que o empreendimento deveria ter sido entregue em maio do ano passado e que as obras não estão sendo executadas conforme o cronograma, segundo o documento ao qual o Metro Quadrado teve acesso.
As incorporadoras têm um período de tolerância de 180 dias previsto em lei em relação à previsão de entrega dos contratos. Após esse prazo, as empresas estão sujeitas a uma multa de 1% sobre o valor total do imóvel por mês de atraso.
No caso do Invert Campo Belo, essa janela venceu em novembro do ano passado. A notificação feita pelos clientes diz que o percentual de conclusão da obra está estacionado no patamar dos 86% desde abril, e compradores ouvidos pelo Metro Quadrado alegam que o canteiro está esvaziado.
“Eles colocam meia dúzia de funcionários para caracterizar que a obra não está parada, mas ela não está evoluindo e isso é claramente uma manobra,” disse uma cliente.
Ela disse ainda que a Gafisa prometeu entregar as chaves dos apartamentos apenas em abril do ano que vem, totalizando quase dois anos de atraso.
Em outro projeto da incorporadora em SP, o Flow, também lançado em 2021 e com VGV de R$ 134 milhões, a expedição do certificado de conclusão, o Habite-se, estava originalmente prevista para julho do ano passado.
Segundo um comprador, porém, a companhia já postergou o prazo quatro vezes e informou que só deve entregar os apartamentos em novembro deste ano.
O adquirente, que comprou o imóvel na planta para anunciar em plataformas de estadia de curta duração, pretende entrar com uma ação judicial contra a companhia após a entrega.
“Estou deixando de faturar não somente na entrega do imóvel, mas com as diárias também, e por isso entendo que, além da multa contratual, existe a possibilidade de lucros cessantes, danos morais e danos materiais.”
Há ainda o caso de um projeto já entregue no início deste ano, o Ibirapuera Park, no qual os moradores acusam a companhia de finalizar as obras “a toque de caixa” para não estourar o prazo de tolerância legal e deixar para trás uma série de problemas nas edificações que causam transtorno e prejuízo para os compradores.
Um membro do conselho consultivo do empreendimento disse ao Metro Quadrado que os moradores aprovaram recentemente a contratação de uma empresa especializada para fazer uma perícia que deve embasar um processo contra a incorporadora.
Já os adquirentes do Invert Campo Belo pedem que a Gafisa retome as obras em até 30 dias, sob risco de ser destituída como incorporadora do empreendimento.
“A destituição é um processo traumático e a perspectiva é sempre de um acordo,” disse uma fonte que tem participado das conversas com a Gafisa.
A destituição é um processo demorado e pode ser um fardo aos compradores. Por isso, costuma ser evitado enquanto há outras opções na mesa.
“Mas até o momento não houve nada vindo da Gafisa,” disse a fonte.
O advogado especialista em direito imobiliário Marcelo Tapai diz que os atrasos não são uma exclusividade da Gafisa.
No cenário de juros elevados, empresas de pequeno e médio porte, especialmente às que trabalham com os segmentos de médio e alto padrão, têm enfrentado dificuldades para concluir as obras.
No caso da Gafisa, porém, Tapai diz que há preocupações adicionais em relação à saúde financeira.
“É um caso recorrente não só no sentido de não entregar imóvel, mas também de dar trabalho para pagar as contas,” ele disse. “Temos problemas já há algum tempo para receber ações já sentenciadas pois não estamos conseguindo encontrar bens da Gafisa.”
A companhia foi uma das incorporadoras afetadas pela crise que assolou o mercado imobiliário na década passada e também sofreu por problemas reputacionais sob a controversa gestão do empresário coreano Mu Hak You.
You deixou a companhia em 2019, mesmo ano em que Nelson Tanure tornou-se acionista de referência com um plano de reestruturar a empresa.
A Gafisa, porém, seguiu enfrentando a desconfiança do mercado nos últimos anos em meio à disputa entre Tanure e outro acionista, a gestora Esh Capital.
Segundo o último balanço publicado, a Gafisa lucrou R$ 6,8 milhões no segundo trimestre, acima dos R$ 4,7 milhões registrados no mesmo período do ano passado.
A companhia também concluiu recentemente um follow-on de R$ 89 milhões para fortalecer sua estrutura de capital. De acordo com a incorporadora, os recursos serão destinados às necessidades de capital de giro e custeio de investimentos.
A Gafisa disse ao Metro Quadrado que atualizou a previsão de entrega dos empreendimentos Invert Campo Belo e Flow e que mantém um diálogo “constante e próximo” com todos os clientes.
“A companhia reafirma o seu compromisso em manter uma comunicação transparente e segue à disposição para quaisquer dúvidas pelo canal oficial de relacionamento,” diz em nota.