Memória afetiva: filhos de gaúchos do agro fazem preço em BC
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A invasão que a turma do agronegócio tem feito a Balneário Camboriú e às praias vizinhas vai além do turismo de alta temporada – representado com bom humor no hit ‘Descer Pra BC’ – e tem aquecido também o mercado imobiliário.
E boa parte da demanda do agro por imóveis para morar e investir em BC tem sido impulsionada por uma espécie de desejo de retornar às origens de quem tem ligações de sangue com a região Sul.
Entre os principais compradores estão fazendeiros do Centro-Oeste que são filhos ou netos dos gaúchos que migraram para a região nas décadas de 1970 e 1980 em busca de terras maiores e mais baratas.
Depois que seus pais e avôs prosperaram no agro, a nova geração tem agora usado parte dos frutos para diversificar os investimentos e comprar apartamentos e terrenos em um lugar que mexe com o coração.
“É algo que traz consigo um sentimento de regresso às raízes, como uma volta pra casa,” diz Cyro Naufel, diretor de Relações com Investidores da imobiliária Lopes, com presença na região.
Embora BC e suas praias vizinhas não estejam no Rio Grande do Sul, há uma ligação afetiva dos gaúchos do campo com a vizinha Santa Catarina.
“Enquanto o pessoal de Porto Alegre compra casas no litoral do próprio Rio Grande do Sul por uma questão de vínculo social, porque é lá onde as famílias amigas dos centros urbanos se encontram para veranear, os do interior escolhem as praias pelo critério do lazer, por serem mais bonitas, e por isso vão a Santa Catarina,” diz o gaúcho Richard Schwambach, CEO da All Wert, dona de empreendimentos de luxo no litoral catarinense.
É o caso da família de Lucas Leiva, nascido em Dourados, no Mato Grosso do Sul, e neto de um gaúcho que vendeu suas terras no Rio Grande do Sul para buscar terrenos mais extensos no Centro-Oeste.
Antes mesmo de ele nascer, seu avô e sua mãe, também gaúcha, passavam férias em família em Camboriú. A tradição se manteve depois que ele chegou, e os pais o levavam quando criança para veranear no litoral de Santa Catarina, ainda não tão desenvolvido quanto hoje.
Lucas acabou saindo de casa aos 14 para seguir a carreira de jogador de futebol profissional – uma trajetória de prestígio com passagens por Grêmio, Liverpool e Seleção Brasileira – e começou a investir o dinheiro que ganhava tanto na compra de fazendas próximas às da família quanto na compra de imóveis em BC e praias vizinhas, como Itapema.
“No Centro-Oeste, as famílias gaúchas sempre continuaram muito próximas do Sul, e acabavam preferindo Santa Catarina por ter praias melhores,” ele disse ao Metro Quadrado. Hoje, aos 38 anos, depois de ter pendurado as chuteiras, ele administra as fazendas junto com o irmão, o médico veterinário Guilherme Leiva, ao mesmo tempo em que trabalha como empresário de jogadores (que também compram imóveis em BC).
Segundo dados do IBGE, cerca de 1 milhão de gaúchos moram fora do Rio Grande do Sul, a maioria nos estados vizinhos de Santa Catarina (40%) e Paraná (24%). Depois deles, já vem o Mato Grosso, com 9%.
A demanda do Centro-Oeste por imóveis em BC é tão alta que a FG Empreendimentos, responsável pelos maiores arranha-céus da região, instala estandes em cidades do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul para vender imóveis para os fazendeiros. Algumas incorporadoras chegam a direcionar anúncios nas redes sociais para a turma do agro nos períodos de safra, quando os bolsos estão mais cheios de dinheiro.
“Hoje, o ecossistema que move o agronegócio corresponde a 25% dos nossos clientes,” diz Jean Graciola, CEO da FG e filho do fundador Francisco Graciola. Em seu empreendimento mais luxuoso, o Senna Tower, que está para ser lançado e será a torre mais alta do Brasil, o metro quadrado está sendo negociado a mais de R$ 100 mil, o mais caro do País.
A procura gera oportunidades até para os corretores do Centro-Oeste. Cacá Zambardino, da Re/Max de Rondonópolis, no Mato Grosso, está mais acostumado a intermediar a compra de terrenos entre os fazendeiros, mas diz que já fechou alguns negócios para Santa Catarina, chegando a reunir em um jantar em seu escritório o dono de uma construtora catarinense, a H Santos, e a turma do agro local.
“A maioria esmagadora dos meus clientes é de famílias com origem no Rio Grande do Sul e no Paraná,” ele diz.
Entre os compradores, o fato de a tecnologia hoje ajudar a gerir as fazendas a distância aumenta a demanda. E há casos até de quem abandonou a vida no agro para investir somente em imóveis no litoral de Santa Catarina. Marcos Ramalho, de 56 anos, vendeu sua fazenda no Mato Grosso para se mudar para Itapema, perto de BC, e se dedicar totalmente ao mercado imobiliário da região.
“Eu sempre quis morar perto da praia e aqui eu acho mais seguro do que no Rio, e dá para ter ganhos acima das aplicações bancárias, comprando na planta e depois revendendo,” ele diz.
Às vésperas do Carnaval, ele está animado para fechar mais negócios. “Todo feriado e verão ajudam no trabalho de vendas de imóveis aqui na praia, pois tem muito movimento.”
Pelos altos preços praticados em BC e região, parte do mercado tem começado a se perguntar se uma bolha não está próxima. “Hoje não vejo demanda real para todos esses imóveis. Já faz um tempo que são investidores que compram e revendem para outros investidores. Falta gente para morar. A conta não fecha a longo prazo,” diz Murilo Marchesini, CEO da Finamob, uma plataforma que intermedia negócios imobiliários.
Lucas reconhece que essa dúvida ronda o mercado de apartamentos em BC, mas diz que agora tem buscado olhar mais para compras de terrenos, porque oferecem um potencial de valorização maior, em áreas menos óbvias, como Porto Belo. E como um neto de um gaúcho fazendeiro, ressalta que o litoral de Santa Catarina “é ótimo para quem passa anos só no agronegócio e depois quer investir e ao mesmo tempo ter lazer.”