Opinião/ O alerta aos corretores do Brasil que vem dos EUA

O mercado imobiliário dos Estados Unidos vive uma transformação estrutural que deve servir de alerta ao Brasil.
Mudanças regulatórias recentes e o avanço da tecnologia, especialmente da inteligência artificial, estão alterando profundamente a forma de intermediação e a atuação dos corretores.
Nos Estados Unidos, 85% das imobiliárias já utilizam ferramentas de inteligência artificial em suas rotinas, contra apenas 19% no Brasil. Essa diferença aponta o risco de obsolescência para profissionais e empresas que não acompanham a inovação.
Entretanto, a inflexão mais relevante ocorreu em agosto de 2024, quando um processo contra a National Association of Realtors (NAR) levou ao fim da prática de obrigar o vendedor a pagar também a comissão do corretor do comprador, considerada anticompetitiva.
A decisão introduziu maior transparência, exigência de contratos formais e liberdade na negociação de honorários. Apesar do impacto inicial, o mercado norte-americano se ajustou rapidamente. As comissões recuaram de forma moderada, e profissionais que demonstraram valor ao cliente conseguiram até ampliá-las.
O contraste com a realidade do Brasil é expressivo. Enquanto 95% das transações nos Estados Unidos são realizadas por corretores, aqui esse índice é de 40%.
A média anual de transações por corretor é de dez nos EUA, contra apenas duas no mercado brasileiro. Na RE/MAX Brasil, os corretores que têm certificação internacional (top agents) conseguem atingir 25,9 transações.
O tempo médio de venda de um imóvel também demonstra a distância: 36 dias nos EUA, frente a 480 dias no Brasil.
Os números evidenciam a necessidade de maior profissionalização, uso de metodologia e cultura de representação efetiva do cliente.
A exclusividade é outro pilar da diferença. No mercado norte-americano, cada imóvel é representado por um único corretor, que atua como representante do cliente. No Brasil, práticas como múltiplas placas em um mesmo imóvel, anúncios duplicados ou inconsistentes e até publicações falsas prejudicam a confiança do consumidor e desgastam a credibilidade da profissão.
Mais do que novas regras, a mudança depende de uma postura profissional diferente. O corretor brasileiro precisa compreender que seu diferencial não está na simples captação de leads, mas na construção de confiança.
Pesquisa da NAR mostra que 60% dos clientes escolhem um corretor por esse atributo, não por amizade, mas pela percepção de valor agregado. Para conquistar essa confiança, é essencial apresentar planos de marketing estruturados, realizar análises comparativas de mercado e investir em especialização local.
Enquanto no Brasil ainda se discute a presença do corretor nas transações, nos Estados Unidos o debate já se concentra no modelo de remuneração. Essa diferença de maturidade evidencia a urgência de elevar o padrão da profissão com tecnologia, treinamento contínuo e atuação em rede. Hoje, menos de 5% das imobiliárias brasileiras integram franquias.
Nos Estados Unidos, redes como RE/MAX e Century 21 concentram 80% do mercado. O modelo em rede permite escala, acesso a tecnologia e estrutura, lógica semelhante à observada no varejo farmacêutico.
O Brasil está diante de uma encruzilhada. É possível esperar que clientes e reguladores imponham novas práticas ou assumir, desde já, o compromisso de entregar mais valor.
O corretor que não se capacita e está sozinho tende a perder espaço. O futuro será dos que souberem atuar em rede, adotar tecnologia e se posicionar como consultores de fato, oferecendo soluções concretas aos clientes.
O jogo já mudou nos Estados Unidos. Cabe ao mercado brasileiro decidir se acompanhará essa transformação de forma proativa ou se reagirá apenas quando for pressionado a fazê-lo.
Peixoto Accyoli é CEO da RE/MAX Brasil.