Opinião/ O impacto da reforma tributária nos contratos de locação

O impacto da reforma tributária nos contratos de locação
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A reforma tributária remodelou a tributação dos contratos de locação no Brasil – e isso vai exigir uma atenção redobrada do mercado.

Os novos IBS e CBS substituirão PIS, Cofins, ICMS e ISS, e alcançarão um setor historicamente blindado de boa parte desses tributos.

O regime será implantado gradualmente, mas já impõe importantes desafios: a legislação traçou apenas as linhas gerais, deixando definições pendentes, elevando o risco e a volatilidade dos fluxos de caixa de locadores e locatários. 

A pergunta é quem arcará com os novos ônus tributários nos contratos de locação: o locador ou o inquilino?

 Do ponto de vista da Lei Complementar 214/2025, que regulamenta os tributos criados na reforma, será o locador – e são dois os perfis mais expostos.

Primeiro, locadores pessoas físicas que superem R$ 240 mil anuais em três ou mais imóveis. Eles passam à condição de contribuintes regulares e precisarão emitir documentos fiscais digitais, elevando custos de compliance.

E segundo, aqueles contratos de longo prazo pré-reforma com aluguel bruto ou cláusulas de renúncia a tributos: o locador dificilmente conseguirá repassar integralmente os novos tributos ao inquilino.

 Do ponto de vista contratual, poderá depender de como o instrumento foi redigido – e nesse ponto o inquilino também precisa estar atento.

Se for pessoa física ou jurídica enquadrada no Simples Nacional e o contrato permitir repasse, o inquilino poderá arcar com IBS/CBS sem direito a créditos, sofrendo aumento real do aluguel.

 Trata-se de um novo cenário ao qual o setor imobiliário precisa se adaptar, o que envolve recalcular a carga tributária, atenção à conformidade operacional e a necessidade de renegociar contratos para se acomodar às mudanças.

Caso uma das partes não se mostre disposta a uma renegociação, será necessário se socorrer do Poder Judiciário para tentar reequilibrar a relação.

 Nessa hipótese, os pleitos de revisão ou resolução do contrato dependem da prova de que o evento seja superveniente, extraordinário, imprevisível e torne a prestação de uma parte excessivamente onerosa com vantagem extrema para a outra.

Quanto mais antigo o contrato em relação à LC 214/2025, maior a chance de serem atendidos esses requisitos; nos ajustes celebrados depois da tramitação avançada da reforma, a imprevisibilidade praticamente desaparece.

 A jurisprudência brasileira indica parcimônia. No caso paradigmático da maxidesvalorização cambial de 1999, o STJ optou por dividir o impacto entre as partes, preservando os contratos.

Já na pandemia de Covid-19, a alta do IGP-M não foi tida como imprevisível: liminares em contratos empresariais foram em larga medida negadas, reafirmando que variações ordinárias de mercado integram o risco do negócio.

A lição é clara: o Judiciário tende a intervir diante de desequilíbrios comprovados por laudos financeiros robustos e preferem ajustes pontuais a resoluções contratuais em massa.

 No cenário da LC 214/2025, os contratos de locação podem ser agrupados em dois blocos.

Nos celebrados antes da reforma, a introdução do IBS/CBS tende a ser considerada fato superveniente e, possivelmente, imprevisível, sobretudo se o aluguel foi pactuado “líquido de impostos” ou se não há cláusula de repasse. O locador pode ver sua margem gravemente comprimida, pois a nova carga não estava na conta.

Nos contratos posteriores à LC 214/2025, a reforma já não é surpresa; quem não disciplinar expressamente o repasse assumirá, em tese, o risco da mudança.

 Por isso, prevenir continua sendo melhor que litigar. Nos contratos em negociação recomenda-se inserir cláusulas específicas sobre “novos tributos”, definindo se serão suportados pelo locador, pelo locatário ou partilhados.

É prudente estabelecer gatilhos de renegociação – por exemplo, se o aumento da carga superar determinado percentual. Nos contratos em vigor, as partes deveriam abrir diálogo até o final de 2025, quando termina a fase de transição: mapear o impacto comparando a carga atual com os cenários de IBS/CBS entre 2026 e 2032, simular diferentes alíquotas e negociar como será tratado o impacto da reforma.

 Os agentes devem adotar estratégias próprias. Recomenda-se que fundos imobiliários, shoppings e proprietários de lajes revisem modelos de cobrança “aluguel + encargos”, identifiquem locatários pessoas físicas e do Simples Nacional e informem cotistas sobre possível redução do NOI.

Pessoas físicas locadoras podem avaliar a constituição de holding patrimonial em lucro presumido, aproveitando alíquota de 3,65%, quando vantajosa. Locatários corporativos podem incluir nos processos de RFP (request for proposal) o critério de partilha de IBS/CBS e exigir transparência nas simulações de impacto.  Gestores de propriedades precisam atualizar sistemas de faturamento para destacar IBS/CBS e apurar créditos do locatário. Bancos e securitizadoras provavelmente terão que reprecificar operações lastreadas em aluguéis, projetando eventual queda do fluxo líquido.

 O fato é que a reforma inaugura um período de incerteza que testa a capacidade de adaptação do mercado.

Há base legal para revisões judiciais, mas a experiência aponta que o Judiciário privilegia a continuidade contratual e corrige desequilíbrios extremos. A conduta economicamente racional é agir preventivamente: inserir cláusulas claras em novos contratos, renegociar os antigos enquanto o impacto é potencial e ajustar modelos de negócios, compliance e pricing.

No fim das contas, o melhor litígio é aquele que nunca chega ao tribunal.

*Andréa Caliento é sócia de Imobiliário do escritório de advocacia Lefosse. Deborah Nery e Julio Neves são, respectivamente, advogada e sócio de Resolução de Disputas do Lefosse.

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