O ‘manifesto’ de dois arquitetos contra os arranha-céus de BC

Os arquitetos cariocas Miguel Pinto Guimarães e Thiago Bernardes estavam sem trabalhar juntos há quase duas décadas.
Foi então que o empreendedor gaúcho Richard Schwambach convidou a dupla para projetar o All Resort – um complexo residencial de luxo da All Wert em Porto Belo, cidade do litoral de Santa Catarina que não tem a fama de Balneário Camboriú mas cresce seguindo a mesma lógica de verticalização imobiliária.
Mas enquanto BC e as praias vizinhas têm insistido em arranha-céus para atender a demanda do mercado imobiliário, Miguel e Thiago viram no terreno de Porto Belo a oportunidade de ir na contramão – e projetaram edifícios horizontais cuja forma lembra uma montanha.
“Foi praticamente um manifesto que fizemos contra a verticalização,” Miguel disse ao Metro Quadrado.
Duas das torres são residenciais e formam o condomínio Terra, com 10 andares cada; a terceira é um hotel, que ainda está sendo projetado e terá no máximo 10 andares.
“De um lado da região está a orla verticalizada e do outro o vale cercado de incríveis montanhas. Nós decidimos que queríamos dialogar com as montanhas e ser um contraponto ao skyline,” disse Miguel.
Para os residenciais, a dupla desenhou prédios com uma quantidade maior de apartamentos nos primeiros pavimentos; o número vai diminuindo a partir do quarto andar, chegando a apenas uma unidade no topo.
“Visto da praia, nosso prédio vai se confundir com o background das montanhas,” disse Miguel.
Na primeira vez em que visitaram o lugar, eles se assustaram ao perceber que havia empreendimentos que praticamente não conversavam com o verde do entorno.
“Queremos que as pessoas se sintam dentro da natureza, mas também protegidas pelo que a arquitetura pode oferecer, pensando em pontos como insolação, conforto térmico e ventilação cruzada,” disse Thiago.
Amigos de infância, os dois arquitetos trabalharam juntos pela primeira vez no início da faculdade, quando Miguel foi estagiar no escritório do pai de Thiago, Claudio Bernardes, este filho do lendário Sérgio Bernardes.
Depois foram sócios no primeiro escritório próprio, aberto em 1993, e desfizeram a sociedade em 2004, quando Miguel saiu para atuar sozinho.
Reuni-los no condomínio de Porto Belo não era o que estava se desenhando no plano inicial da All Wert.
No começo, em 2022, Thiago estava trabalhando em um dos edifícios do complexo, e Miguel em outro – ambos atraídos pela curadora Clarissa Schneider, uma ex-diretora da revista Casa Vogue. E o hotel do complexo ainda estava sem arquiteto definido.
“Eu disse ao Thiago: estamos fazendo 50 anos de vida e 30 anos de profissão. Vamos voltar a trabalhar juntos para celebrar essas datas e fazer de tudo um projeto só,” disse Miguel.
Ter a mesma equipe elaborando as três edificações ajudou a criar unidade visual para o complexo.
“Por ser um projeto no meio da natureza, queríamos fugir de uma urbanidade, na qual prédios muito diferentes são interessantes. No campo, a unidade cromática é muito importante para o equilíbrio da comunicação do complexo,” disse Miguel.
E as quase duas décadas sem reunir as pranchetas não fizeram a dupla perder a sintonia.
“Às vezes eu tenho uma ideia enquanto estou sonhando e acordo para colocar no papel. Quando vou falar com o Thiago, ele pensou a mesma coisa.”
O complexo da All Wert tem 210 hectares. Além dos dois prédios residenciais e do hotel, o projeto prevê quadras de tênis, praia artificial com piscina de ondas, shopping, campo de golfe iluminado (com nove buracos e 30 hectares) e 372 lotes no entorno do campo para residência, todos já vendidos, entre outras instalações.
Segundo Richard, sócio e CEO da All Wert, cerca de 50% dos lotes foram vendidos para empresários do agronegócio, o principal público da Costa Esmeralda, trecho do litoral de Santa Catarina que inclui Balneário Camboriú e Porto Belo.
As vendas para as torres residenciais do All Wert começam neste mês. São 300 apartamentos. A companhia estima um VGV para todo o complexo de R$ 10 bilhões.
A primeira fase das obras, que contou com investimento de R$ 1,5 bilhão, envolve o condomínio Terra, o hotel e o campo de golfe. O condomínio de lotes e o campo de golfe devem ficar prontos em outubro.
Entre os sócios da All Wert está Martin Werninghaus, filho de um dos fundadores da WEG e conselheiro da multinacional.
Richard diz que decidiu apostar em um condomínio horizontal de alto padrão ao perceber que, em 2020, os prédios à beira da praia de BC já cobravam R$ 60 mil pelo metro quadrado, enquanto faltava uma oferta de luxo para a região, com mais espaço para unir natureza, lazer, design e sustentabilidade.
“Os condomínios horizontais que existiam haviam sido implementados há 15 ou 20 anos e eram apenas terrenos murados, com as casas divididas por ruas e no máximo uma academia, uma piscina e uma pracinha,” ele diz.
“Ao ver que os terrenos em condomínios fechados estavam valendo de R$ 2 mil a R$ 4 mil, e prédios em Itapema já estavam valendo R$ 45 mil, eu entendi que existia uma oportunidade.”
Todo o complexo ficará ao lado de um aeroporto de aviação executiva, e isso virou um motivo a mais para a aposta em condomínios horizontais.
“Na arquitetura, é melhor tirar partido das dificuldades do que ter um terreno com todas as facilidades, onde tudo pode ser feito. O terreno mais complexo expressa a própria arquitetura, atendendo às restrições,” disse Miguel.
Depois de terem matado a saudade no projeto do complexo de Porto Belo, Miguel e Thiago engataram a parceria e já estão em um segundo trabalho, este para a Lumini, de iluminação.
“Mas pode escrever aí que estes serão os primeiros de muitos,” diz Miguel.