Os novos capítulos da cruzada europeia contra o Airbnb

MADRI — Pressionado pela incessante alta dos preços de habitação no país, o governo espanhol se virou contra o Airbnb para “mostrar serviço” à população.
O entendimento das autoridades da Espanha – assim como a de outros países europeus – é de que a plataforma de hospedagem reduz a oferta de unidades para moradia e impulsiona os preços dos aluguéis.
Em sua medida mais contundente até o momento, a Espanha ordenou nos últimos dias a exclusão de 66 mil anúncios da plataforma, sob alegação de que os imóveis em questão possuem irregularidades de licenciamento ou de cadastro.
O Airbnb prometeu recorrer e afirmou que manteria os anúncios online até que o processo transitasse na Justiça, mas teve um primeiro recurso negado por um tribunal de Madri.
Epicentro das tensões entre turistas e moradores no país — com direito a “confronto armado” de pistolas d’água — Barcelona está indo além.
A cidade não licencia imóveis para aluguéis de curta duração (menos de 30 dias) desde 2014 e irá banir totalmente a modalidade em 2028, seguindo os passos de Nova York.
O caso espanhol simboliza uma dinâmica continental. Diversos países e cidades da Europa tentam há anos enquadrar o Airbnb, que se tornou uma espécie de símbolo da tomada das grandes cidades europeias pelo turismo de massa.
Em Berlim, os aluguéis de curta duração chegaram a ser banidos e hoje um proprietário só pode alugar o seu imóvel com essa finalidade por até 90 dias em um ano. Em Amsterdã, o limite é de 30 dias.
Edimburgo e Dublin, por sua vez, tentaram enterrar os locadores em burocracia e elevadas taxas de licenciamento para inibir o estabelecimento de novos Airbnbs.
No entanto, os efeitos das medidas parecem limitados até aqui, já que os preços dos aluguéis continuaram avançando nas grandes cidades da Europa.
Apenas em 2024 os aluguéis aumentaram em média 3,1% no Velho Continente, mostram dados da proptech HousingAnywhere, ainda que um avanço bem menor do que os 14,3% registrados dois anos antes.
Para o Airbnb, que é paulatinamente afetado pelas restrições, estes números reforçam a versão da empresa de que o verdadeiro problema de habitação no continente é causado pela falta de investimento estatal em moradia.
“Não há nenhuma evidência de que limitar o aluguel de quartos vagos crie mais moradias de longo prazo para as pessoas,” Ron Klain, diretor jurídico do Airbnb, disse ao Financial Times.
“Em vez de entrar em uma onda de construção de moradias populares, podemos entrar em uma onda de construção de hotéis. Isso não ajuda ninguém, exceto os grandes hotéis.”
Em Nova York, onde o Airbnb foi banido em 2023, os preços das diárias de hotel subiram 6% em um ano, apontam dados da empresa de research CoStar cedidos ao FT. E os preços de aluguéis continuaram subindo.
A União Europeia espera ter dados mais claros sobre o tema a partir do ano que vem, conforme as empresas do setor terão que compartilhar informações de cada reserva com as autoridades locais.
Onde consegue, o Airbnb tenta ganhar tempo com a judicialização das medidas políticas contra o seu negócio.
Na Itália, o governo anunciou no início do ano a proibição dos check-ins remotos — quando o locador deixa as chaves do imóvel em uma caixa de segurança na rua e o locatário entra na acomodação sozinho.
A equipe da primeira-ministra Giorgia Meloni afirmou que a medida traria mais segurança à modalidade, mas um tribunal de Lazio disse que a regra estava dificultando a vida dos que alugam suas propriedades e a derrubou.
Já em Lisboa, um referendo que votaria a proibição de aluguéis de curta duração na cidade foi barrado pela Justiça antes mesmo de ocorrer.
Mesmo com recomendação de compra para a ação do Airbnb, o Citi classifica o possível crescimento de regulamentações contra alojamentos alternativos como um dos principais riscos à tese, já que pode impactar a oferta de acomodações.
O papel da empresa sofreu em 2024, sentindo os problemas regulatórios, diante do avanço da concorrência e conforme o apetite global por viagens regredia à média após o frenesi pós-pandemia.
Nos últimos meses, no entanto, a ação registrou alguma recuperação após o mercado receber bem a notícia de que a plataforma irá diversificar sua oferta com serviços e experiências.
Mesmo sem citar diretamente os imbróglios legais, o management disse que as novas avenidas de crescimento representariam “o início de um novo capítulo para o Airbnb”.
Em 2025, o papel recua 3,5%, US$ 126,80. Em 12 meses, a queda é de 13%. O preço-alvo do Citi para o papel é de US$ 155, uma alta potencial de 24% em relação ao fechamento de ontem.
O Airbnb vale US$ 78 bilhões na Bolsa.