Entrevista/ ‘Usam o conceito de 15 minutos para fazer condomínios para os ricos,’ diz criador da proposta

‘Usam o conceito de 15 minutos para fazer condomínios para os ricos,’ diz criador da proposta
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Pai do conceito das cidades de 15 minutos, o urbanista colombiano Carlos Moreno está insatisfeito com o uso que o setor privado da América Latina tem feito da sua proposta.

Enquanto governos de cidades europeias têm recorrido ao conceito para criar políticas públicas, nos países latino-americanos a proposta tem sido um mote para desenvolver condomínios fechados que ofereçam tudo para que ninguém saia de casa.

“Essa não pode ser uma política para pessoas ricas que vão comprar casas em condomínios com guardas dentro, com piscina ou academia e chamar de cidade de 15 minutos,” ele disse ao Metro Quadrado

“A cidade de 15 minutos precisa ser uma vontade política de um governo local para transformar toda a cidade, não apenas de um bairro.”

Carlos Moreno ok

Por meio de planejamento urbano, o conceito proposto por Moreno quer aproximar as pessoas dos comércios, institutos de ensino, trabalho e áreas de lazer – tudo a uma distância máxima de 15 minutos.

A ideia já foi aplicada em diversas cidades pelo mundo, sendo Paris a mais notável, onde a prefeita Anne Hidalgo apostou no conceito como um dos pontos principais de sua campanha eleitoral de 2020, disseminando os estudos de Moreno.

Nascido em 1959, na cidade de Tunja, no interior da Colômbia, o urbanista se mudou como refugiado político para Paris aos 20 anos, onde se formou na Université Paris-Sud, em 1983.

Ele esteve em São Paulo na semana passada para o lançamento no Brasil do livro que escreveu sobre o conceito, A cidade de 15 Minutos: Uma solução para salvar nosso tempo e nosso planeta.

“Ainda estamos vivendo com o mesmo estilo de vida da Carta de Atenas, de Le Corbusier, de pontes, estradas, carros individuais, distanciamento, zoneamento,” ele disse. “Não podemos, sete décadas depois, continuar vivendo assim,” disse.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como o conceito da cidade de 15 minutos surgiu para você?

Venho do mundo da matemática e da ciência da computação. Trabalhei muito com smart cities, e cheguei à conclusão de que a tecnologia e os algoritmos não eram uma forma possível de resolver problemas tão complexos como a mudança climática, dificuldades econômicas, emprego, pobreza, a exclusão social e a dificuldade de viver de forma harmoniosa.

Decidi entender o que é qualidade de vida nas cidades em tempos incertos com esses componentes, e estudei como as cidades produzem tanto CO2, a dificuldade de acesso ao trabalho e a falta de serviços próximos.

E isso me levou a formular primeiro uma smart city humana, depois um conceito de cidade mais humana e, por fim, a proximidade como ferramenta de transformação em busca de qualidade de vida. E essa proximidade gerou o que foi chamado de cidade de 15 minutos. 

E como foi a recepção ao conceito quando você o propôs?

Quando formulei o conceito após a COP21, onde foi adotado o novo Acordo de Paris para a redução da mudança climática, eu disse que a diminuição das emissões de CO2 não é apenas uma questão de acordos entre países, mas de cidades.

Na época, a atual prefeita de Paris, Anne Hidalgo, era presidente da rede de cidades pelo clima, a C40. Ela propôs a proximidade policêntrica, que chamei de cidade de 15 minutos. As pessoas estavam céticas, porque diziam que isso parecia muito utópico.

Durante três anos, trabalhei com minha equipe na área dos Jogos Olímpicos para mostrar que esse conceito era interessante. 

Em novembro de 2019, Anne Hidalgo decidiu adotar esse conceito e apresentá-lo aos parisienses em sua campanha de reeleição. Naquela época, ela considerou a cidade de 15 minutos como a espinha dorsal de sua candidatura. 

E como a cidade de Paris reagiu ao conceito?

A prefeita ganhou o primeiro turno. 

Logo após a primeira fase da Covid-19, que foi quando a proximidade começou a ser absolutamente indispensável para sobreviver naqueles tempos, o conselho municipal votou a favor do programa ‘Pacto de Paris pela Proximidade’, e depois foi só seguir o roteiro de transformação com a cidade de 15 minutos para cinco anos, que vão terminar em breve.

Em meio à pandemia, muitos prefeitos de todo o mundo e organizações como a C40 adotaram o conceito e, a partir daí, ele se tornou viral. Já existe em todo o mundo e é mantido com políticas de implementação.

O que uma cidade precisa ter para que o conceito dê certo?

Uma cidade precisa de um plano urbano local que lhe dê continuidade, como fez a prefeita de Paris, que o estruturou como política urbana, propôs um pacto de proximidade urbana e depois votou um plano urbano local que o integrou como política para pelo menos a próxima década. Também é necessário ter instrumentos para transformar a cidade, incentivos para o comércio local, para a cultura, abrir dias nas ruas para pedestres e não para carros, oferecer atividades em espaços públicos, incentivar as pessoas a usar espaços públicos, e descentralizar a administração.

E, por último, é necessário um trabalho pedagógico para educar as pessoas, para que elas possam discutir entre si e propor projetos que impulsionem o projeto urbano.

Desde que apresentou a cidade de 15 minutos na COP21, quais mudanças tem visto nos lugares que aderiram?

Paris passou por uma profunda transformação, e a prefeita Hidalgo diz isso o tempo todo em todo o mundo. São 1.200 quilômetros de pistas protegidas para ciclistas; 500 novas ruas ajardinadas para reduzir os espaços públicos e dar mais espaço à vegetação; abertura de escolas nos fins de semana para transformar esse espaço em um espaço público.

Além disso, eliminaram os carros em frente às escolas para transformá-los em mini parques para a população e incentivaram o comércio local com uma agência que aluga instalações a um preço mais acessível.

Tem dado certo em outros lugares além de Paris?

Em cidades como Milão, Roma, mas também temos países como a Espanha que praticam o território de meia hora para áreas de média e baixa densidade, e a Escócia, que votou um plano para todo o seu território chamado “Escócia, território de 20 minutos”. Na Argentina, tivemos projetos para transformar o microcentro de Buenos Aires. No México, a chefe de governo, Clara Brugada, implementou unidades territoriais em Iztapalapa. Na Coreia do Sul, em Seul e em Busan, foram gerados novos modelos econômicos para incentivar o comércio de proximidade.

Em Sousse, uma cidade tunisiana de 400 mil habitantes, foi criado o Observatório Mundial de Proximidades Sustentáveis. Ele permite que os governos locais trabalhem com a UN-Habitat e com a Organização Mundial de Governos Locais, a mais antiga equipe da Sorbonne. E lá trabalhamos com indicadores para melhorar os impactos no bem-estar com relação à mudança climática e à economia. 

E o conceito não é popular apenas nas grandes cidades, mas também nas áreas rurais. Na Polônia, há cidades pequenas que o implementaram com muito sucesso, portanto, é um conceito que pode ser aplicado em diferentes tamanhos, densidades, contextos culturais, geográficos, econômicos ou políticos.

Acredita que seja mais difícil implementar o conceito da cidade de 15 minutos na América Latina por questões de política e infraestrutura?

Todos os países podem fazer a implementação, desde que haja uma decisão política de querer fazê-la. Essa não pode ser uma política para o setor privado construir condomínios fechados para pessoas ricas que vão comprar casas em condomínios com guardas dentro, com piscina ou academia, um vendedor de chocolates e outro vendedor de alimentos e chamar de cidade de 15 minutos. 

A cidade de 15 minutos precisa ser uma vontade política de um governo local para transformar toda a cidade, não apenas um bairro. Esse também é um trabalho pedagógico de ver que nossas cidades são insustentáveis e que, se continuarmos assim, teremos problemas com ondas de calor, inundações, apagões, pobreza, bairros informais. 

As cidades estão perdendo seus centros históricos. O problema do esvaziamento está aumentando porque há um mau uso do espaço público e os serviços de saúde e educação não existem ou são privatizados e isso cria dificuldades que as pessoas acham que não podem ser resolvidas ou simplesmente se recusam a aceitar mudanças.

Se as empresas constroem bairros planejados de alto padrão com o conceito da cidade de 15 minutos, como isso se diferencia da sua visão?

É sob esse ângulo que devemos refletir sobre os impactos de usar o conceito para criar bairros de alta qualidade, mas apenas para pessoas que podem pagar por eles.

Para as cidades de 15 minutos é necessário fazer análises de biodata, qualidade de vida, política urbana, e construir um indicador chamado ‘alta qualidade de vida social’. E é isso que precisa ser discutido. Como melhorar esses indicadores, como encorpá-los e transformar os bairros. Essa é a nossa tarefa. 

‘Ah, em tal e tal bairro vamos fazer tal e tal projeto’. Não. Isso é fazer um planejamento do século passado. Durante o século XX, muitas infraestruturas foram construídas quase que por intuição. 

E por que não pode ser feito dessa forma?

As cidades não podem continuar nesse ritmo. Elas precisam mudar sua forma. Estamos vivendo no século XXI, sabendo que no século XX a população se multiplicou por quatro e as cidades se multiplicaram por 20. Ainda estamos vivendo com o mesmo estilo de vida da Carta de Atenas, de Le Corbusier, de pontes, estradas, carros individuais, distanciamento, zoneamento.

Não podemos, sete décadas depois, continuar vivendo como era quando Le Corbusier propôs esse modo de vida. Não podemos ter uma cidade do Brasil como Brasília. Não acho que seja a cidade ideal. Isso é muito concreto.

O urbanista Alain Bertaud disse que as cidades de 15 minutos só fazem sentido quando pensamos em estar perto de farmácias e mercados, mas não quando pensamos no mercado de trabalho. Qual a sua visão sobre isso?

Alain Bertaud está dizendo exatamente a mesma coisa há cinco anos. E um cientista tem que ser uma pessoa que analisa dados de forma objetiva e sem ideologia antes de decidir que um conceito não funciona. 

O mundo do trabalho mudou profundamente desde a Covid-19. Estudos mostram claramente que jovens entre 20 e 40 anos não querem trabalhar como a geração anterior, que querem no máximo três dias de presencial e no mínimo dois ou três dias remotamente. Os próprios empregadores entendem que evitar o presencial durante uma semana inteira lhes permite ter uma externalidade positiva, pois reduzem as áreas de superfície que possuem e reduzem o ônus econômico desses metros quadrados de manutenção.

Como tem visto esse cenário mexer com o mercado corporativo na prática?

Na minha cidade, em Paris, La Défense – o maior bairro corporativo da Europa –, perdeu mais de 20% de sua frequência, o que o coloca em uma situação de crise econômica aguda. Não está claro como esse distrito irá suportar a crise, e toda semana você pode ler sobre isso na imprensa.

Não só em Paris, mas em Londres, Nova York, São Francisco. Os grandes bairros corporativos estão em crise.

Eu diria muito fraternalmente para que o Alain Bertaud coloque os óculos de cientista e deixe de simplesmente resistir à transformação das cidades analisadas cientificamente com dados, geociência e matemática, em vez de se concentrar no que ele disse há cinco anos e que não evoluiu nem uma vírgula.

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