A Feira da Madrugada e o terreno do Bom Retiro que ficou sem pai nem mãe

A Feira da Madrugada e o terreno do Bom Retiro que ficou sem pai nem mãe
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Depois de anos de disputas judiciais, um terreno do Bom Retiro desapropriado pela Prefeitura de São Paulo para ser usado pela tradicional Feira da Madrugada entrou numa espécie de limbo.

Dona do terreno até a desapropriação, a família Rosenberg acusa a empresa que tem a concessão da feira, o Circuito de Compras SP, de descumprir decisões judiciais que a obrigam a pagar R$ 17 milhões pelo imóvel comercial, que tem 1 mil metros quadrados e fica na Rua José Paulino.

Derrotada na Justiça e sem recursos para pagar, a empresa pediu no mês passado à Prefeitura para que a desapropriação fosse repensada, por “não se justificar mais na conjuntura atual da concessão.”

Como o Circuito de Compras SP ainda não pagou e não pediu para entrar na posse, o imóvel segue tendo entre seus donos os irmãos Jorge Alberto Rosenberg, Beatriz Rosenberg, Carla Rosenberg e Livia Rosenberg Franco de Godoy. 

“Mas como fica a sentença transitada em julgado incorporando o imóvel dos meus clientes ao patrimônio da Prefeitura?,” Flávio Yunes, o advogado da família, disse ao Metro Quadrado.

“Ocorre que existe um contrato de concessão de obra pública vigente que determina esta desapropriação. O contrato deve ser revisto e o decreto revogado.”

A Feira da Madrugada surgiu no início dos anos 2000 nos arredores da Rua 25 de Março. Em 2006, passou a ocupar um antigo estacionamento de ônibus. Mais tarde, migrou para o Brás e se consolidou como destino de compras para varejistas de todo o Brasil.

Em 2011, a Prefeitura institucionalizou o Circuito de Compras com o objetivo de reunir comerciantes do Brás, Sé, Santa Ifigênia e Bom Retiro em um único endereço. 

Em 2018, a concessionária iniciou as obras do shopping de 180 mil m² na Rua São Caetano, no Brás, com espaço para 5,4 mil boxes, inaugurado em 2021 após um investimento de R$ 500 milhões.

Foi nesse processo de transição da feira de rua para um endereço fixo que nasceu o imbróglio envolvendo a desapropriação do terreno da família Rosenberg.

Em 2020, o Circuito entrou com a ação de desapropriação do terreno oferecendo R$ 13 milhões pelo imóvel localizado a 2 km do shopping – planejado para ser base de estoque e, futuramente, uma segunda unidade. 

Os proprietários contestaram na Justiça, alegando que o valor correto pelo ativo seria R$ 19 milhões.

O processo terminou favorável à família, que cedeu e aceitou receber R$ 10,9 milhões para encerrar logo o impasse. 

“Mas no Circuito de Compras nunca tinha nenhum centavo depositado no banco para pagar a indenização,” o advogado disse.

Com o atraso, a dívida hoje gira em torno de R$ 17 milhões, adicionando as multas e custos advocatícios.

“No cumprimento da sentença, o Circuito passou a resistir, alegando que, como entidade que recebeu poderes da Prefeitura, se equipara ao poder público – e que pagaria quando quisesse,” disse.

Sem conseguir executar a decisão, a defesa da família ajuizou no TJSP um pedido para que a Prefeitura assuma a indenização, alegando que cabe à municipalidade fiscalizar o consórcio que criou o shopping no Brás.

“Acabaram as instâncias, a discussão não existe mais. O que falta é o agente público encontrar patrimônio de R$ 17 milhões para que o Circuito pague,” disse Yunes.

A disputa pelo terreno da Rua José Paulino não é a única dor de cabeça do consórcio.

O centro de compras já foi alvo de uma CPI na Câmara Municipal por acusações de pirataria. Inaugurado durante a pandemia, também foi multado pela Prefeitura por não pagar quase R$ 30 milhões em parcelas da outorga da concessão.

A Prefeitura disse ao Metro Quadrado que o processo da desapropriação é de responsabilidade da concessionária e que acompanha o caso para que o Circuito de Compras de SP cumpra “integralmente suas obrigações contratuais e jurídicas”. 

Segundo o município, a empresa foi notificada formalmente sobre o cumprimento da ação indenizatória. Foi na resposta a essa notificação que a empresa pediu a revisão da desapropriação.

Depois da publicação da reportagem, o Circuito de Compras SP confirmou que reavaliou no pós-pandemia o projeto que pensou inicialmente para o terreno, de um centro de apoio, “em função da mudança no cenário econômico e no comportamento de consumo, evitando desperdício de recursos.”

Além disso, negou que teria buscado “pagar quando quisesse” ou alegado prerrogativas de poder público para postergar pagamentos.

A empresa diz ainda que deixou claro em juízo que não tem mais como utilizar os imóveis, razão pela qual questiona a efetiva necessidade da posse. “A instituição sempre atuou com boa-fé e responsabilidade,” disse em nota.

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