Entrevista/ ‘Incomoda que nossa ação não reflete o valor do portfólio,’ diz CEO da São Carlos

‘Incomoda que nossa ação não reflete o valor do portfólio,’ diz CEO da São Carlos
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Na São Carlos Empreendimentos, a conclusão da venda de um pacote de imóveis para o fundo imobiliário TG Renda Urbana marca uma nova fase da holding imobiliária das famílias Lemann, Telles e Sicupira.

A companhia está desmobilizando o portfólio para destravar o valor dos ativos que hoje não está refletido na cotação das ações — a carteira é avaliada em R$ 3,1 bilhões, enquanto a São Carlos hoje vale R$ 1 bilhão na Bolsa.

“Em vez de ficar esperando, decidimos tomar as rédeas, focar no que controlamos e ser criativos para entregar valor aos nossos acionistas,” o CEO Gustavo Mascarenhas disse ao Metro Quadrado.

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Desde que a companhia acelerou a reciclagem da carteira, em 2023, já foram transacionados R$ 2,1 bilhões.

Mas a virada de chave só ocorreu nessa última transação, com um acordo que garantiu à São Carlos continuar exposta à potencial valorização dos imóveis no futuro, pois é cotista e também atuará como consultora imobiliária do FII comprador, com a opção de tornar-se sua cogestora no futuro.

“O mercado de FIIs se desenvolveu de uma forma impressionante na última década e queremos estar mais próximos desse investidor,” disse Mascarenhas.

Abaixo, os principais trechos da entrevista.

Já faz mais de dois anos que a São Carlos tem sido bem ativa no mercado. Por que estão vendendo tantos imóveis?

No início de 2023 o nosso principal foco era reduzir a dívida líquida da companhia, que estava em quase R$ 2 bilhões. Por isso, vendemos ativos para capitalizar a empresa, somando R$ 1,44 bilhão em transações, endereçando a alavancagem e melhorando operacionalmente. Mas algo que ainda incomoda é que nossa ação não reflete o valor do portfólio. Em 2023 ela chegou a ter um desconto de 90% sobre o net asset value (NAV) dos ativos. Hoje, esse percentual caiu para cerca de 60%, mas ainda é bastante alto. Ao traçar estratégias para fechar o gap, definimos três grandes prioridades e uma delas é continuarmos ativos nessa frente de desmobilização de imóveis a valor justo.

Quais são as outras duas prioridades?

A segunda é continuar melhorando operacionalmente. Trimestre a trimestre aumentamos a ocupação dos imóveis e cortamos as despesas em mais de 30% ao ano, todo ano, para melhorar a eficiência. A terceira alavanca, que sempre olhamos com atenção, mas ainda não tínhamos conseguido implementar, é criar fundos imobiliários com bons parceiros e nossos melhores ativos. O mercado de FIIs se desenvolveu de forma impressionante na última década e queremos estar mais próximos desse investidor.

Vocês atuarão nesse mercado apenas como administradores dos imóveis e consultores imobiliários, como no caso do TGRU, ou há planos para expandir essa vertical?

Começamos como consultores imobiliários, mas está previsto no regulamento que podemos ser cogestores do TGRU no futuro. No curto prazo a tendência é continuarmos como consultores. Estudamos fazer mais fundos, então o nosso foco inicial está em colocá-los de pé e a maneira mais rápida é atuando como consultor com bons parceiros.

Por falar na operação com o TGRU, qual é o racional por trás da troca de imóveis por cotas de um FII?

Acreditamos muito nos imóveis e que ainda há valor para extrair deles. Ao ficar com 25% das cotas do fundo, temos o direito de capturar esse valor futuro. Isso também mostra comprometimento com os demais investidores: não somos apenas um vendedor de imóveis, mas sim participantes ativos do negócio. É um alinhamento interessante para os cotistas do FII e para o acionista da São Carlos, pois preserva potenciais upsides em um cenário de juros mais amigáveis no futuro.

O pipeline do TGRU inclui outros imóveis da Best Center. A ideia é vender todo o portfólio de strip malls?

Esse foi o primeiro fundo de R$ 300 milhões num portfólio que é muito maior, de R$ 3 bilhões. A Best Center ficou com 30 imóveis e estudamos sim crescer o TGRU ou fazer novos FIIs com esses imóveis. Em 2023, nosso primeiro objetivo com as vendas foi desalavancar. Agora queremos mostrar o valor dos nossos imóveis numa estrutura que os investidores têm demandado. Em vez de ficar só melhorando operacionalmente os ativos e aguardar o mercado, entendemos que, com uma gestão ativa, conseguimos trazer esse valor para o nosso acionista de uma maneira mais rápida e ágil.

O foco na gestão ativa significa que a empresa está sendo desmobilizada?

Classifico isso como um mudança do modelo de negócio, que sai de uma empresa que é 100% proprietária dos imóveis para uma companhia que continua proprietária via cotas de fundos e cria novas linhas de receita, como a administração imobiliária no nível do ativo e a consultoria imobiliária ou cogestão no nível do FII.

A empresa se torna mais asset light e busca remunerar também seu know-how imobiliário, porque, olhando hoje a Bolsa, nem o tijolo está bem precificado, quem dirá o nosso know-how de administração. A partir do momento que adicionamos essa remuneração, entendemos que isso vai gerar um retorno sobre capital maior para os nossos acionistas.

Então esse processo deve ajudar a destravar valor dos papéis?

Esse é o grande objetivo. Não controlamos o mercado, mas, vendo os números que a empresa entrega — transacionamos R$ 2,1 bilhões em 30 meses com uma média de 13,5% de desconto, versus um desconto de mais de 60% da ação —, tem valor aqui no nosso portfólio. Continuar com essas transações a valor justo e criar mais fundos imobiliários com portfólios de qualidade deve ajudar sim a melhorar a perspectiva dos investidores. Ao invés de ficar esperando, decidimos tomar as rédeas, focar no que controlamos e ser criativos para entregar valor aos nossos acionistas.

No portfólio corporativo, a vacância dos escritórios foi um desafio enfrentado nos últimos trimestres. Isso ainda é um problema?

O mercado de office está em recuperação desde a pandemia e ainda temos espaço para melhorar. Em São Paulo a vacância é super baixa, em torno de 10%, e somos melhores que a média do mercado. O nosso principal ativo, que fica na Chucri Zaidan, fechou 2024 com 95% de ocupação.

E no Rio?

No Rio há duas regiões diferentes. Temos três ativos na Zona Sul, na Praia de Botafogo, que estão 100% locados. É um mercado que vai bem e temos conseguido ganhar preço. Já o centro, onde também temos exposição, sofreu com a pandemia e tem uma vacância maior, de cerca de 35%, mas ações da Prefeitura têm ajudado muito na recuperação, inclusive por meio do incentivo à conversão de imóveis comerciais para residenciais. Fizemos uma transação dessas que foi um sucesso porque, além de nos capitalizar com a venda do imóvel, tiramos a área bruta locável vaga do mercado, melhorando a competição para prédios do entorno. Estudamos converter, no mínimo, mais um ou até dois ativos para enxugar ainda mais a vacância.

O portfólio de escritórios também deve ser vendido?

É uma possibilidade. A estratégia de fundos imobiliários é uma estratégia macro da companhia, que não se restringe à Best Center.

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