No mercado imobiliário, falta herdeiro querendo virar CEO

Das incorporadoras às imobiliárias, os empresários do ramo estão tendo dificuldade em convencer seus herdeiros a assumir os negócios.
A tradição familiar das empresas do setor tem esbarrado no desinteresse dos mais jovens, diante de uma oferta mais abundante de cursos e profissões.
A sucessão – antes quase obrigatória – hoje exige negociação e criatividade para engajar os filhos, que querem liberdade para decidir, e nem sempre isso inclui seguir o legado familiar.
Leonardo Schneider, vice-presidente do Secovi Rio e membro da terceira geração da empresa de gestão condominial Apsa, tem tentado passar o bastão adiante, mas não está sendo fácil.
A filha mais velha, de 20 anos, não demonstrou interesse em seguir os passos do pai e foi estudar administração nos Estados Unidos, ficando ainda mais longe da empresa.
Para tentar envolvê-la de alguma forma, pediu à filha que pensasse para os condomínios um projeto ligado a pets, um tema pelo qual ela é apaixonada.
“O jovem hoje está muito ligado a um propósito. O propósito não é trabalhar na empresa da família, é contribuir para a sociedade, para causas que impactam o mundo,” ele disse ao Metro Quadrado.
Para facilitar o processo com a mais nova, de oito anos, ele criou um livro infantil contando a história da empresa, e a reação foi positiva, tanto que ela chamou o pai para ler o livro para a sua turma na escola.
“Hoje, obrigar não rola. O tiro sai pela culatra,” ele disse.
São situações como a de Leonardo que têm chegado com mais frequência às mesas dos escritórios de advocacia que trabalham com planejamento para sucessão familiar.
“A área de sucessões cresceu muito nos últimos cinco anos porque hoje o filho não se sente necessariamente obrigado a seguir a profissão do pai,” disse Rodrigo Pontes, sócio do KLA Advogados.
Caso a nova geração não tenha interesse em assumir o negócio, o trabalho pode envolver definir qual será a fatia dele na empresa, se terá assento no conselho, e preparar uma sucessão para uma gestão profissional.
“Há casos em que, com a morte do fundador, os herdeiros entram em conflito, o negócio perde a direção e, muitas vezes, é dilapidado,” disse Vanessa Dantas, sócia do Amatuzzi Advogados, escritório especializado no setor imobiliário.
“Quando você pensa em sucessão, está pensando em perpetuar a visão do fundador. Mas isso só é possível se a próxima geração estiver disposta.”
Segundo o IBGE, 90% das empresas no Brasil têm perfil familiar, mas apenas 30% chegam à terceira geração – e somente 15% sobrevivem.
O desafio tem sido maior entre as pequenas e médias empresas, dado que entre as maiores há uma pressão adicional de acionistas para que a gestão seja transferida a executivos de mercado, principalmente se a família fundadora não tem mais o controle.
Das 28 incorporadoras listadas na bolsa, apenas 13 tem membros da família fundadora na direção, no conselho ou com participação relevante: Cury, Cyrela, Direcional, Eztec, Helbor, JHSF, Melnick, Mitre, MRV, Moura Dubeux, Plano&Plano, Tecnisa e Trisul.
Entre essas companhias, há bons exemplos de sucessores que se adaptaram bem ao mercado e conseguiram manter — ou até ampliar — o legado familiar, diz o consultor imobiliário Hugo Grassi.
“O Fábio e o Ronaldo Cury, o Leandro Melnick e o Ricardo Gontijo são ótimos cases de sucesso. Se o setor for capaz de produzir outros como eles, serão muito bem recebidos pelo mercado,” disse.
“E se o herdeiro tem histórico de atuação na empresa, conhece a cultura e tem perfil para administrar, isso é uma escola tremenda, difícil de reproduzir com executivos de mercado.”
O problema está em forçar a sucessão quando não há interesse genuíno.
Nesses casos, o caminho mais saudável para a perenidade do negócio é apostar em uma segunda linha de gestão profissionalizada — desde que haja uma estrutura de governança sólida e uma política de remuneração que alinhe interesses no longo prazo.
“Quando a família é muito centralizadora, acaba bloqueando o amadurecimento da equipe profissional que está logo abaixo dela. E sem esse amadurecimento, não tem sucessão possível fora do sobrenome.”
Em alguns casos, o filho sai do negócio não por desinteresse no setor, mas pela vontade de empreender por conta própria.
Joseph Nigri, filho do fundador da Tecnisa, seguiu toda a jornada de sucessão até chegar ao posto de CEO, mas deixou o cargo há quatro anos para começar a trabalhar no próprio negócio, a Naara, voltada para empreendimentos senior living de alta renda.
“No primeiro momento, meu pai tentou me convencer a não sair, dizendo que esse era o negócio da nossa família, que nós precisávamos tocar. Mas eu falei que não tinha jeito,” disse Joseph, que segue no conselho da Tecnisa.
“O mais engraçado é que, quando montei a empresa e formei os primeiros negócios, meu pai resolveu ser sócio dos projetos, através da própria Tecnisa.”