A Mitre está tentando resgatar a Daslu – mas não é óbvio

Habituada a erguer prédios, a Mitre agora está tentando reerguer uma marca que viveu seu auge nos anos 1990 — e que faliu depois que sua antiga dona foi condenada por sonegação fiscal.
A marca Daslu – comprada pela incorporadora em 2022 por R$ 10 milhões – deixou boas memórias para quem experimentou o luxo de suas lojas de roupas e bolsas femininas, mas enfrenta o desafio de apagar as lembranças de seu triste fim e se apresentar a uma geração que não a conheceu.
A Mitre está trabalhando em duas frentes: usando a marca Daslu para assinar empreendimentos imobiliários e criando novos produtos e serviços com a marca.
O primeiro residencial, o Daslu Residences, foi lançado em novembro com 117 apartamentos e um VGV de R$ 600 milhões, na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, pertinho da Oscar Freire – e tendo a atriz Marina Ruy Barbosa como garota-propaganda. Trata-se de um prédio com serviços de hotel, incluindo a arrumação dos apartamentos, três restaurantes e um spa, entre outras amenities.
Para o esforço de relançar a marca, a Mitre recrutou a arquiteta Renata Florenzano, que em 28 anos de carreira trabalhou com nomes como João Armentano e Ana Maria Vieira Santos.
A nova Daslu, porém, passará longe da moda. A Mitre está apostando em produtos de cama, mesa e banho, cerâmica, porcelana e perfumaria – e em serviços que ofereçam experiências de cultura e gastronomia em grupo, como viagens ou visitas a exposições de arte.
Também não haverá loja física. Os produtos serão vendidos em um ecommerce que já deve começar a operar no segundo semestre.
No Daslu Residences, cerca de 60% dos clientes que já compraram são brasileiros que não moram em São Paulo e buscam uma segunda residência na cidade.
“São pessoas que não querem mais ficar em hotel, num quarto impessoal, com hora para entrar e sair, e sim ter um ponto seu em São Paulo, com serviço de hotel e onde você pode deixar suas roupas,” Renata disse ao Metro Quadrado.
Quando o proprietário estiver vindo a São Paulo, “o serviço de concierge pode por exemplo fazer o mercado para ele e já deixar o pedido no restaurante para o jantar, tirando a fricção do morador e o tratando como hóspede.”
Segundo ela, outros dois perfis que se encaixam nessa estratégia são jovens solteiros que levam rotinas atribuladas e querem ter sua vida resolvida por essas comodidades ou famílias com filhos que já saíram de casa e querem trocar a mansão no Jardim Europa por algo mais compacto e com facilidade de serviços.
Do início das vendas até abril, o Daslu Residences vendeu 12% das unidades – uma taxa considerada baixa pelo mercado, uma vez que os primeiros meses de um lançamento costumam estar entre os mais aquecidos.
O prédio fica pronto em 2028. “Até lá temos um longo caminho para fazer as vendas acontecerem,” disse Renata.
Para um especialista em branded residences, a Mitre apostou no ativo, mas terá que lidar também com o passivo da marca.
“O old money viveu o auge da Daslu mas também viu o seu declínio, enquanto o new money não conhece a Daslu,” ele disse ao Metro Quadrado.
“A Daslu não é uma marca mágica que agrega valor imediatamente. A Mitre vai ter que trabalhar muito para resgatá-la, não tem uma solução óbvia.”
Um ponto que ajuda é o fato de a Daslu ser uma marca associada ao público feminino – e são as mulheres que costumam decidir as compras de imóveis do casal.
“Marcas como Prada e Versace dão muito certo em branded residences. Já as masculinas, como as de carro, precisam criar uma conexão com as mulheres, como colocar corretoras mulheres para fazer a venda.”
Fundada em 1958 por Lucia Piva Albuquerque e Lourdes Aranha – as duas “Lus” –, a Daslu deslanchou nos anos 1990 quando Eliana Tranchesi, filha de Lucia, aproveitou a liberação de importações do Governo Collor para trazer roupas e bolsas de grife da Europa.
A loja da Vila Nova Conceição – uma casa que só era frequentada por quem fosse indicado – foi ganhando fama entre as mulheres da elite paulistana e virou um clube da Luluzinha.
No auge, a Daslu tinha uma mega loja de 15 mil metros quadrados na Vila Olímpia, num prédio de estilo neoclássico com colunas gregas, considerado um templo do luxo.
Ir à Daslu não significava apenas comprar produtos de grife, mas também ser paparicada no atendimento. Até as vendedoras tinham um certo status, por fazerem parte daquele ambiente. Eram as “Luluzetes”, muitas delas filhas das amigas das donas.
“É a experiência de fazer parte daquilo que nós queremos resgatar, como um lifestyle,” disse Renata. “As nossas pesquisas indicam que há um saudosismo de quem viveu aquilo.”
A Daslu teve sua falência decretada em 2016, sete anos depois da condenação de Eliana, que morreu em 2012, mas as pesquisas da Mitre “mostram que as pessoas entendem que os problemas estão ligados a outra gestão,” disse Renata.
Outro plano da Daslu é licenciar a marca para empreendimentos imobiliários de outros estados que queiram replicar a mesma estratégia. Já há conversas em andamento.