Entrevista/ “A casa não precisa ser perfeita, porque ninguém é,” diz Sig Bergamin

Ao longo dos últimos 50 anos, o arquiteto Sig Bergamin ficou conhecido por um estilo: não ter estilo.
Diferente de muitos arquitetos e designers que constroem suas carreiras em cima de uma estética única — o concreto aparente, a madeira, o minimalismo ou o maximalismo — Sig se destaca justamente por não ter uma fórmula fixa.
Seu estilo é o ecletismo, entendido não como um amontoado de referências aleatórias, mas a capacidade de ler profundamente cada cliente, suas histórias, desejos e estilo de vida – e transformar tudo isso em espaços sob medida.
Para Sig, não importa se o projeto pede arquitetura clássica, moderna, francesa ou tropical: o que importa é a tradução da identidade de quem vai habitar aquele lugar. O resultado? Um portfólio tão diverso que parece ter sido criado por uma dúzia de profissionais diferentes.
Agora, Sig acaba de lançar Eclectic (250 páginas, Assouline), um livro que reúne projetos realizados em mais de 30 países e nunca antes vistos pelo público. (Compre aqui.)
Sig e Murilo Lomas, seu marido e sócio desde 2014, falaram com o Metro Quadrado sobre o livro e a evolução de seu estilo, numa conversa pontuada por risadas, lembranças afetivas e referências a bordados indianos e ambientes vermelhos monocromáticos.
Você está prestes a completar 50 anos de carreira e continua surpreendendo. Como enxerga a evolução do seu estilo ao longo das décadas?
Sig Bergamin: A gente muda. A cada dez, doze anos, há transformações: tempos, viagens, clientes, desejos. As mudanças simplificam, modernizam, eliminam. Se comparar meu primeiro livro internacional, Maximalismo, com o Eclectic, há grande diferença. Não no DNA, que continua sendo cor, mistura, expressão, mas na linguagem, no estilo. Isso é necessário, não dá pra ficar no mesmo lugar.
Eclectic talvez seja seu livro mais pessoal. O que este livro revela sobre quem você é hoje?
Sig: Eu era mais orientalista, inspirado pela Índia, mas hoje meu olhar está em outro lugar. O mundo ficou mais livre, contemporâneo, diverso. Menos temático, menos engessado. Gosto de não precisar rotular, criar regras. Os projetos do livro parecem feitos por doze profissionais diferentes. Essa é a ideia: mostrar o ecletismo como essência, como liberdade criativa. Não é impor uma estética, é interpretar com identidade.
Na introdução do livro, você escreve: “Life is imperfect and people are imperfect. So why should a house be perfect?” Parece quase um manifesto. Desde quando essa visão guia seu trabalho?
Sig: Sempre guiou. A casa não precisa ser perfeita, porque ninguém é. Acho ingênuo montar um cenário de perfeição onde ninguém vive. A casa precisa de baguncinha, humor, identidade. Gosto de ambientes que evoluem e se transformam.
Murilo, como vê esse ecletismo hoje, quando muitos arquitetos são reconhecidos justamente por uma assinatura marcada?
Murilo Lomas: É aí que o livro ganha força. Hoje você olha uma casa e sabe de quem é. Está tudo bem, são posicionamentos. Mas o diferencial do Sig é justamente não ter uma fórmula. O estilo dele é interpretação. Outros se destacam repetindo um gesto arquitetônico; ele se destaca por não se repetir.
Sig: É verdade. Cada projeto é uma leitura, incluindo nossa casa. O Eclectic mostra isso: nossa casa em São Paulo foi feita com peças que sobraram de outros lugares. São leftovers, como chamo no livro. Adoro reutilizar, reaproveitar, ressignificar. Jogar fora é fácil; o bom é transformar. A casa vira quase uma colagem de vidas anteriores.
Seus projetos parecem resistir à estética da perfeição “instagramável”. O que torna uma casa especial?
Sig: Personalidade. Uma casa especial reflete quem mora nela. Ela pode virar “instagramável”, mas como consequência, não objetivo. Uma casa com identidade e originalidade se destaca. Você pode gostar ou não, mas ela tem alma.
Seu trabalho tem muitas camadas: padrões, texturas, décadas, geografias. Há uma lógica ou tudo nasce do feeling?
Sig: Também, mas há muita bagagem. Leitura, filmes, exposições, viagens, conversas, pesquisa… Estou sempre ligado. No avião assisto filmes antigos, atento a cenários e detalhes. É como alimentar um arquivo interno. Tudo entra, se acumula, e na hora certa aparece.
Murilo: O Sig tem referência pra tudo porque está sempre atento. Não é pesquisa de Google, é vivência mesmo. Ele vê, toca, testa, anota. Tem um hábito antigo: todo fim de semana recorta páginas de revistas. Na segunda-feira vão para pastas temáticas. São centenas delas, com ideias, cores, peças, texturas. Esse estoque invisível gera soluções.
Você publicou sete livros, tem casas em três cidades e é reconhecido mundialmente. O que ainda te move, e o que gostaria de fazer que ainda não fez?
Sig: Criar. Projetos novos, desafios diferentes. Um hotel, por exemplo, mas não só decorar ambientes. Queria fazer tudo: projeto arquitetônico, talheres, lobby, aroma. Criar uma narrativa completa, como uma casa em escala maior.
Que conselho daria para quem está começando no design de interiores?
Sig: Vá pro mundo. Não é sobre decorar cores Pantone, é sobre entender o que um bordado balinês tem de diferente de um tecido africano. Estude. Pesquise. Assista filmes com olhar afiado. Às vezes vejo séries só pelas locações. White Lotus, por exemplo, é uma aula: da Sicília à Tailândia, cada detalhe ensina algo.
Murilo: Muitos acham que trabalhar com beleza é só inspiração, mas o Sig é quase um arquivista. Quando um cliente chega com um pedido, ele já tem o repertório para transformar desejo em espaço. Essas referências vêm de todo lugar.
Uma vez, em Nova York, fomos conhecer a casa do Tom Ford – que foi do Halston e aparece na série da Netflix. A casa era elegante, sóbria: cinza, bege, preto. Mas o sótão era inteiro vermelho. Parecia um devaneio monocromático do Valentino. Ficamos fascinados.
Meses depois, em São Paulo, o Nizan Guanaes queria um escritório “barulhento”, vibrante, explosivo. A memória daquele sótão voltou na hora. Sugerimos fazer tudo vermelho. Fizemos, e ele adorou.
Essas conexões são assim. Um detalhe visto em Nova York vira realidade em São Paulo. Mas só acontece quando você está atento. Como o Sig sempre diz: a oportunidade aparece, mas se você não estiver preparado, passa batida.
Sig: Estar pronto é o segredo. E nunca parar de olhar. Porque o olhar, sim, se treina todos os dias.